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14 de Outubro de 2018 às 21:20

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre a demissão de Azeredo Lopes e da remodelação do Governo, considerando esta última a "iniciativa mais positiva que o primeiro-ministro teve nos últimos meses".

  • ...

TANCOS – A DEMISSÃO DO MINISTRO

  1.       A posição do Ministro era insustentável. A sua demissão era inevitável.
  •          Há meses que Azeredo Lopes estava na corda bamba. Há 10 dias ficou sem condições para continuar em funções. Esta semana ficou entre a espada e a parede. A partir do momento em que o seu Chefe de Gabinete entregou no DCIAP um relatório da PJM sobre a alegada encenação de Tancos, Azeredo Lopes tinha mesmo de sair. De duas uma:

- ou Azeredo Lopes sabia do documento e, nesse caso, tem responsabilidades;

- ou Azeredo Lopes não sabia e devia saber porque o Ministro é sempre o responsável pelo seu gabinete.

 

  1.       O PM comportou-se em todo este processo de forma desastrosa. 
  •          Primeiro: não teve capacidade de decisão (andou sempre a desvalorizar o assunto). Não teve sentido de Estado (não percebeu que era preciso preservar a Instituição Militar). E nem sequer foi prudente nas afirmações que fez (foi desmentido em toda a linha).
  •          Segundo: em 3 anos de Governo, teve dois problemas sérios: um no MAI, outro no MDN. Nos dois momentos não liderou nem decidiu. Andou sempre a reboque dos acontecimentos.

- Os dois Ministros saíram, não por decisão do PM, mas ou por imposição do Presidente da República ou por pressão da opinião pública. É muito mau para um Primeiro-Ministro.

- Ou seja: tem muita habilidade mas pouca capacidade de decisão.

 

  1.       E agora? O que se segue? A meu ver, subsistem 3 problemas:

a)      Primeiro problema – A substituição do Chefe do Estado Maior do Exército. Saiu o Ministro. Falta sair o Chefe do Estado Maior do Exército. Na prática, tem tanta ou mais responsabilidade que Azeredo Lopes. Não pode agarrar-se ao lugar. Devia aproveitar a nomeação do novo Ministro para no mínimo colocar o lugar à disposição.

b)     Segundo problema – Responsabilidade de Azeredo Lopes. Afinal, o ex-Ministro sabia ou não sabia de tudo? O seu Chefe de Gabinete deu-lhe conhecimento ou não? Acho impossível o Chefe de Gabinete não lhe ter dito nada. Provavelmente, o resultado final será este: o Ministro não conheceu o documento entregue; mas recebeu um telefonema do Chefe de Gabinete a informá-lo do facto.

c)      Terceiro problema – Responsabilidade do Exército. A sensação que há é que estão todos metidos nesta embrulhada. Quer a estrutura do Exército, quer a tutela política. E que estão todos com mentiras, mentirinhas ou meias verdades. Isto parece o caso António Domingues. Daí a importância desta investigação. É bom que tudo fique esclarecido.

 

A REMODELAÇÃO

  1.       Foi a iniciativa mais positiva que o PM teve nos últimos meses, em que só tinha acumulado erros, asneiras e omissões. Este é o lado da sua habilidade política.

a)      Primeiro: porque surpreendeu o país. E, em política, a surpresa é normalmente positiva;

b)      Segundo: porque criou um facto político novo. E, com isso, desviou um pouco as atenções de Tancos e da sua responsabilidade no caso de Tancos;

c)      Terceiro: porque retocou o Governo. E a verdade é que, a um ano de eleições, o Governo tinha pontos fracos que o podiam comprometer eleitoralmente.

d)      Quarto: porque tornou o Governo mais coeso, mais político e mais partidário. Os novos Ministros são todos da confiança pessoal do PM (ganha em coesão); são mais políticos que os que saem; e todos os que saem eram independentes.

 

  1.       Quanto aos novos Ministros:

a)      Ministro da DefesaBoa escolha. Gomes Cravinho tem grande qualidade e categoria. Tem agora um teste imediato: saber o que vai fazer ao CEME. Substitui-o ou mantém-no? Ter mais ou menos autoridade passa muito por esta decisão.

b)      Ministro da EconomiaUma transição normal. Siza Vieira já era, na prática, o Ministro da Economia. A remodelação na Economia já tinha sido feira há um ano, quando Siza Vieira entrou no Governo. Agora, fez-se apensa a formalização.

c)      Ministro da CulturaA saída de uma boa pessoa mas de um Ministro irrelevante, num ministério em auto-gestão. A entrada de uma política da confiança do PM.

d)      Ministro da SaúdeSai uma das pessoas que, a par com Correia de Campos, era das mais sabedoras na área da Saúde em Portugal, mas com a imagem desgastada. Paga uma factura pesada: a factura de ter "comprado" internamente uma "guerra" com o Ministro das Finanças. Mário Centeno não é propriamente vingativo. Só que não perdoa a quem lhe faz frente. Adalberto fez frente a Centeno; Centeno não lhe facilitou a vida; os problemas no Ministério agravaram-se; e o Ministro da Saúde teve de sair.

e)      Ministro do Ambiente e Energia É uma mudança óbvia. Siza Vieira não podia tutelar o sector da energia, porque poderia ter conflitos de interesses. A novidade pode ser a saída do Secretário de Estado  Energia. Se isto suceder é António Costa no seu esplendor. O PM nunca perdoou que há cerca de um ano o Secretário de Estado tivesse negociado nas suas costas com o BE uma taxa sobre as energias renováveis. E António Costa é parecido com Centeno. Não é vingativo, só que não perdoa nem esquece. Tem uma memória longa.

 

  1.       No meio de tudo isto, "safou-se" o Ministro da Educação. A sua saída, nesta fase, seria uma cedência à Fenprof. E o PM não quer ceder a Mário Nogueira.

 

O ORÇAMENTO

 

  1.       Vertente política – Três aspectos curiosos:

a)      Primeiro: foi um OE fortemente negociado com os seus parceiros. É normal. Mas não era o que o Governo insinuava antes do Verão. Há uns meses. O Governo dizia que não havia margem de manobra negocial. Porquê esta mudança? Porque não quis correr o risco de uma crise. E porque percebeu que a arrogância não é um bom caminho para a maioria.

b)      Segundo: o PCP foi altamente  privilegiado em termos políticos e mediáticos. Até deu uma conferência de imprensa a anunciar o acordo feito com o Governo. Algo que irritou o BE e é inédito no PCP. Porquê? Porque o PM prefere o PCP ao BE. Já tem pouca paciência para os bloquistas.

c)      Terceiro: o PM diz que não é um OE eleitoralista porque baixa o défice. Este argumento é a gargalhada da semana. O défice este ano vai ficar entre 0,4% e 0,5%. Logo, a redução será de 0,3% ou 0,2%. Então isto é alguma grande redução? É o mínimo dos mínimos. É uma redução simbólica. O OE não é eleitoralista. É super eleitoralista. É dar um pouco de tudo a todos. É normal com todos os governos, em anos eleitorais. Mas, ao menos, assumamos a verdade.

 

  1.       Vertente políticaO OE assume que haverá um crescimento de 2,2% em 2019. E já vi algumas pessoas a fazerem uma festa. Eu diria o seguinte:
  •          Claro que é bom. Crescer é melhor que não crescer. Mas atenção! Esta coisa de fazer a festa, lançar os foguetes e embandeirar em arco é algo exagerada.
  •          É que na União Europeia temos cerca de 20 países a crescer mais do que nós. Afinal, temos um dos crescimentos mais baixos de toda a Europa. Devíamos crescer mais.

 

A POLÉMICA NA ENERGIA (ERSE)

 

  1.       O Governo nomeou um deputado do PS para a ERSE e isso causou polémica. Só não é um escândalo porque em Portugal ninguém se escandaliza com nada. 
  1.       Por que é que esta decisão é censurável? Por três razões essenciais:

a)      Primeira: a ERSE é uma entidade reguladora e, como tal, uma entidade independente. E tem de ser independente quer dos regulados, quer do poder político. Ora, um deputado não é independente do poder político. Muito menos, um deputado do PS.

b)      Segunda: esta decisão é também um "frete" ao deputado. Além de não ser independente, não tem qualificações técnicas no domínio da energia. As suas especializações são no domínio do turismo e da economia rural.

c)      Terceira: é a segunda vez que o Governo faz isto. Já anteriormente tinha designado para a ERSE uma outra pessoa vinda do Gabinete do Secretário de Estado da Energia. Outra pessoa que também não é verdadeiramente independente. Ou seja: o Governo transforma uma entidade que deve ser independente em mais uma Direcção-Geral do Estado. Um desastre. 

  1.       O Governo contra-ataca e diz: mas o PSD e o CDS no passado fizeram nomeações semelhantes. Talvez. Só que o Governo esquece esta coisa elementar: um erro não se combate com outro erro. Uma má decisão é sempre uma má decisão, mesmo que já tenha antecedentes.
  •          É assim que se mata a regulação. E, sem regulação forte, isenta e independente, não há economia saudável.

 

AS ELEIÇÕES NO BRASIL

 

  1.       Nestas eleições no Brasil, que foram um autêntico tsunami, há três realidades a observar: há o vencedor; há o derrotado; e há os humilhados.

a)      O vencedor – Bolsonaro. Teve uma vitória forte mas não é uma vitória surpreendente.

  •          Diz-se que foi o PT que criou Bolsonaro. Esta é só uma parte da verdade.
  •          A vitória de Bolsonaro é a resposta do eleitorado a 5 realidades: a corrupção do PT; o colapso do centro; a crise económica; a violência nas ruas; a descrença nas instituições.
  •          Em boa verdade, os brasileiros não votaram em Bolsonaro por convicção. Votaram contra a situação que tinham pela frente.

b)      O derrotado – O PT é um grande derrotado, mas não é o maior derrotado.

  •          Apesar do Lava Jato, que foi um processo contra o PT, apesar de ter o seu líder preso, apesar de ter arranjado um candidato de recurso e de última hora, o PT aguenta. Perdeu mas não morreu. Sobreviveu.
  •          Passa à segunda volta; é o maior partido no Congresso; só perde 5 deputados; mantém vários Governadores no Nordeste; dos partidos tradicionais é o único que se mantém forte e como alternativa.

c)      O humilhado – O centro político. A derrota humilhante é dos partidos do Centro, os partidos que derrubaram Dilma – o PSDB, o PMDB, os Democratas. O "centrão".

  •          O centro desapareceu do mapa político do Brasil. Não foi só perder. Foi colapsar.
  •          Já governaram. Já elegeram Presidentes da República. E agora desapareceram do mapa. Isto, sim, é uma derrota humilhante.

 

  1.       Segunda volta
  •          Bolsonaro vai ganhar com uma votação provável acima de 60%.
  •          Vamos ter um Brasil muito radicalizado e bipolarizado, com uma direita autoritária no poder; com o PT nas ruas; e com os moderados do centro desaparecidos em combate.
  •          Em boa verdade, Bolsonaro e PT vão guerrear-se um ao outro e precisam um do outro para se manterem nas suas trincheiras.
  •          E, finalmente, não é de excluir que Trump vá ajudar Bolsonaro. É mais um Presidente fora do sistema e o Presidente dos EUA gosta disso.

 

ACORDO NO BREXIT

 

  1.       Aparentemente, terá havido acordo hoje entre os negociadores da UE e do Reino Unido sobre o Brexit. É uma boa notícia. A pior coisa que poderia suceder à Europa era uma saída desordenada do Reino Unido da União Europeia.

 

  1.       Mesmo assim, o Governo Britânico pediu um compasso de espera de 24 horas para confirmar o sim ao acordado pelos negociadores. E porquê? Porque este acordo tem sobretudo uma questão muito polémica no Reino Unido – a criação de uma fronteira entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido. Porque a Irlanda fica dentro da União Aduaneira e o resto do Reino Unido fica fora.
  1.       Aqui chegados, as duas grandes questões que se vão colocar são estas:

a)      Primeira: este acordo passa no Parlamento britânico? Há muitas dúvidas e divisões. Por exemplo: há quem afiance que oito a nove membros do Governo inglês de podem demitir nos próximos dias.

b)      Segundo: e os 27 Estados Membros da UE aprovam o acordo? Até hoje, os 27 têm estado super unidos nesta matéria. Mas há quem diga que a Itália pode levantar problemas como "moeda de troca" para a sua exigência de obter flexibilidade para um défice orçamental superior ao autorizado por Bruxelas.

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