Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
Luís Marques Mendes faz, ao domingo na SIC, os seus comentários sobre o que aconteceu durante a semana. E o Negócios publica as notas que servem de base aos comentários. Esta semana analisa a tragédia dos incêndios, avaliando os vários protagonistas as decisões já conhecidas. A liderança do PSD também é alvo de análise.
O CHOQUE DOS INCÊNDIOS
- Este foi uns dos momentos mais dramáticos que o país viveu nos últimos anos. Pedrógão já tinha sido um choque. Agora foi um choque ainda maior.
- Pela 2ª vez em pouco tempo, o Estado falhou. E falhou de forma generalizada. As pessoas não compreendem que depois de Pedrógão não se tenha aprendido nada e não se tenha corrigido nada. À primeira ainda há alguma compreensão. À segunda o sentimento é de indignação.
- Pedrógão foi um choque mas ocorreu num pequeno território. Agora, foram dezenas e dezenas de concelhos, de Leiria até ao Alto Minho. Houve mais angústia; mais desespero; mais destruição; mais insegurança.
- No caso de Pedrógão a maioria das pessoas viu a tragédia pela televisão. Desta vez, foram milhares de pessoas, em vários pontos do país, a viver a tragédia ao vivo. Isto gera uma revolta ainda maior.
- Tudo isto tem consequências políticas. Mas, antes disso, e mais importante: esta tragédia gerou uma crise séria, com sequelas fortes e provavelmente muito longa – uma crise de confiança no Estado, nas instituições, na Protecção Civil.
- Daí a importância do roteiro que o PR está a fazer pelos concelhos afectados por esta calamidade.
- É um esforço brutal. Um desgaste enorme. Mas é uma contribuição notável para a reconstrução emocional do país. É que antes da reconstrução de casas, de empresas e de infraestruturas é preciso fazer a reconstrução da moral, do ânimo, da auto-estima e da energia dos portugueses.
AS CULPAS DO GOVERNO
- Este foi o momento mais crítico da vida política de António Costa. Tudo lhe correu mal. E vai ficar bastante afectado. Por uma razão simples: os líderes vêem-se nos momentos difíceis. E nestes dois momentos difíceis António Costa falhou. Não mostrou capacidade de liderança, de direcção e de comando. Muito pelo contrário.
- Por que é que António Costa falhou?
- Primeiro, pelo seu feitio. O PM tem o hábito de desvalorizar as questões, de adiar os problemas, de empurrar com a barriga. Foi o que sucedeu. Desde Pedrógão que anda a adiar tudo. Pagou agora uma factura pesada.
- Segundo, pelo deslumbramento. Há muito tempo que o PM anda deslumbrado com as sondagens, com os resultados da economia, com os elogios de Bruxelas e agora com a vitória autárquica. Ora, um político deslumbrado é um político que descola da realidade.
- Terceiro, porque não levou a sério os avisos do PR. Marcelo anda a avisar desde Pedrógão. O PM fez ouvidos de mercador.
- Finalmente, pela insensibilidade social. No momento em que morrem pessoas, António Costa parecia ter uma pedra no lugar do coração. Eu sei que ele não é assim. Mas desta vez pareceu.
- E agora? Será que António Costa está politicamente acabado? Nem 8 nem 80.
- Dizer agora que António Costa acabou politicamente é tão exagerado como ter dito antes que o PM tinha a maioria absoluta no bolso.
- Claro que está fragilizado. Claro que vai levar muito tempo a recuperar e dificilmente recuperará na totalidade.
- Claro que agora perdeu em dobro ou em triplo o espaço de manobra que ganhou com as autárquicas.
- Mas a sua morte política é um manifesto exagero. Tem condições e tempo para dar a volta. vamos ver se consegue.
A INTERVENÇÃO DE MARCELO
- O PR surpreendeu positivamente tudo e todos. Uniu e reconfortou o país, interpretou na perfeição o sentimento nacional e obrigou o Governo a um recuo que já tardava. Será, muito provavelmente o momento mais marcante do mandato de MRS e mostra a importância de duas coisas: a importância de um regime semipresidencialista e a importância de um Presidente que não seja uma mera "Rainha de Inglaterra".
- Mas a surpresa em torno de MRS não terminou aqui. Esta semana mostrou uma faceta do actual PR que os portugueses menos conhecem. O país conhece bem o MRS político inteligente, intuitivo, o comentador brilhante e o homem das selfies e dos afectos.
- Só que MRS tem outro lado menos conhecido – o lado do político corajoso e capaz de fazer rupturas. E foi esse lado do Presidente que veio ao de cima esta semana. O PR avisou, alertou e esperou. Como o Governo não percebeu ou fingiu que não percebeu, MRS agiu. De forma marcante e eficaz. Convém que o Governo não se esqueça no futuro desta faceta presidencial. O PR não nasceu só para as selfies e os afectos.
- E agora? Será que o PR vai mudar? Será que a coabitação vai ser alterada?
- Eu diria que não. Uma vez mais, nem 8 nem 80. No passado, os que achavam que MRS estava nas mãos do Governo enganaram-se; também agora, os que acham que MRS vai passar a ser adversário do Governo enganar-se-ão redondamente.
- MRS não é nem apoiante do Governo nem adversário do Governo. É árbitro, é equidistante, é independente e é factor de equilíbrio. Vai continuar a ser o fiel da balança.
- Se alguma vez passasse a ser contra-poder ou líder da oposição, perdia o poder de influência que hoje tem. Ele nunca cairá daí abaixo.
A MOÇÃO DE CENSURA DO CDS
- Primeiro: não dou grande importância à Moção de Censura. Compreendo a ideia do CDS: para situações excepcionais, iniciativas excepcionais. Mas, no final, é mais "fogo de artifício" que outra coisa. É uma iniciativa vistosa mas meramente simbólica.
- Segundo: o maior problema desta Moção de Censura é que ela foi morta poucas horas depois de ser anunciada. A comunicação ao país do PR matou a Moção de Censura. É que a grande censura ao Governo foi feita por Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso de terça-feira. Depois da censura presidencial, a Moção de Censura do CDS sabe a pouco. É poucochinho.
- Terceiro: há quem diga que o Governo sairá reforçado pela recusa da Moção de Censura. Sinceramente, acho esse raciocínio "política de laboratório". Teoria geral. O Governo vai sair do debate como entrou. Por uma razão muito simples: onde o Governo ficou profundamente fragilizado foi no país, não foi no Parlamento. E não é um debate no país político que resolve um problema que existe entre o Governo e o país real.
A REMODELAÇÃO
Três apontamentos
- Primeiro: a saída da MAI. Estamos perante mais um caso em que a Ministra não soube sair. Saber sair é uma arte e exige muito talento.
- Jorge Coelho, há 16 anos, soube sair. Saiu pelo seu pé e no tempo certo. Por isso, saiu prestigiado.
- Constança Urbano de Sousa não soube sair. Saiu empurrada e no tempo errado. Merecia melhor.
- Segundo: novos Ministros
- Não acho que seja uma grande remodelação. É uma remodelação frouxinha. Uma remodelação feita em circuito fechado. Uma remodelação feita no círculo de amigos de António Costa. Uma dança de cadeiras e pouco mais.
- Perante o desgaste do Governo, o PM precisava de pesos pesados. Ministros com forte peso político e prestígio na sociedade.
- E assim ficou novamente adiada a remodelação maior que se impõe, desde logo no reforço do núcleo político do Governo. Fica para 2018.
- Mesmo assim, o Governo fica melhor. Eduardo Cabrita tem um melhor perfil que Constança Urbano de Sousa; Pedro Siza Vieira é um profissional competente; e o novo Secretário de Estado da Protecção Civil, Artur Neves, é uma aposta segura. Uma boa escolha. Assim ele tenha os meios necessários para a função.
AS DECISÕES DO GOVERNO
Três apontamentos sobre as decisões do Conselho de Ministros extraordinário:
- Primeiro: aparentemente são, todas elas, medidas positivas e na direcção certa (apoio às pessoas, empresas e infraestruturas; a Força Aérea a tratar dos meios aéreos; a profissionalização da Protecção Civil; maior integração entre a prevenção e o combate nos fogos. Só não se percebe uma coisa: por que é que não foram tomadas mais cedo? Há anos que estas soluções estão publicamente consensualizadas.
- Segundo: quanto às indemnizações às vítimas de Pedrógão é uma decisão correcta mas tardia. Devia ter sido tomada há 3 meses. Vem com três meses de atraso.
- Finalmente: uma sugestão ao Governo. Acho que é necessário criar uma Unidade de Missão capaz de, no terreno, dirigir, coordenar e monitorizar a acção e as iniciativas de vários Ministérios e serviços do Estado.
A LIDERANÇA DO PSD
- Apresentação da candidatura de Santana Lopes
- A primeira entrevista de Rui Rio – Aposta nos chamados Pactos de Regime. Entendimentos entre Governo e oposição, sem implicar qualquer Governo de Bloco Central.
- Parece ser uma ideia central de Rui Rio. E o país compreende.
- Duas sondagens:
- A sondagem divulgada pelo Expresso e pela SIC reforça o que aqui afirmei na semana passada: os dois candidatos estão muito empatados e a luta pela liderança vai ser muito competitiva.
- A sondagem da Aximage para o Correio da Manhã, por sua vez, mostra que nos eleitores em geral Rui Rio leva clara vantagem sobre Santana Lopes.
- Mas a pergunta que se impõe é esta: e os militantes pensam o mesmo ou pensam de forma diferente dos eleitores? É que os militantes é que votam e nem sempre o seu sentimento coincide com o do eleitorado em geral.