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Opinião
28 de Maio de 2017 às 21:34

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da análise semanal que Marques Mendes faz na SIC, onde diz que Centeno está "deslumbrado com a ideia de um cargo europeu".

  • ...

CENTENO NO EUROGRUPO?


Há aqui três questões a considerar:

  1.        Primeira questão: é possível Mário Centeno ser Presidente do Eurogrupo? Eu diria: em teoria há uma janela de oportunidades.
  •          Centeno está bem visto, face aos resultados alcançados, sobretudo no domínio orçamental e tem mérito nesses resultados;
  •          Depois, porque o próximo Presidente do Eurogrupo tem de ser, em princípio, um ministro socialista. O PPE já detém a Presidência da Comissão, do Conselho e do Parlamento Europeu.
  •          Só que há poucos Ministros das Finanças socialistas do Eurogrupo. E dentro destes só o italiano tem grande peso. Só que há um grande número de italianos na União (Presidente do BCE, Presidente do Parlamento e Alta Comissária para a política externa).
  •          Ou seja, por exclusão de partes, há, em teoria, uma janela de oportunidades para Centeno.

 

  1.        Segunda questão: mas, sendo possível, é provável ou não que tal suceda? Eu diria que é possível mas não é fácil.
  •          Primeiro, porque o MF alemão, que é quem vai ter a opinião decisiva na escolha, não gosta da solução de governo que há em Portugal.
  •          Segundo, e mais importante, esta decisão só será tomada depois das eleições na Alemanha. E depois dessas eleições não é líquido que haja da parte da Alemanha uma maior flexibilidade. A Sra. Merkel vai ganhar, provavelmente vai coligar-se com os Liberais e os Liberais alemães ainda são mais radicais em relação aos países do sulque o Sr. Schäuble ou a Sra. Merkel.
  •          Ou seja: a janela de oportunidades que existe é mais teórica que prática.

 

  1.        Terceira questão: então porquê este frenesi em torno de Mário Centeno? Eu diria que Mário Centeno está num processo de auto-promoção, está deslumbrado com a ideia de um cargo europeu e está a correr em pista própria, à margem do primeiro-ministro.

Vê-se isso onde?

  •          Primeiro, na campanha que ele próprio está a fazer. É uma campanha meramente interna e da sua exclusiva iniciativa. Não há na União Europeia uma única alma a falar da hipótese de Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo. Ou seja, esta campanha só existe em Portugal e não na Europa.
  •          Segundo, Mário Centeno está literalmente a colocar-se em bicos de pé e a oferecer-se (o que é, de resto, um pouco ridículo). Quando ele diz no Expresso que "não fecha portas" é isso mesmo. Está a oferecer-se e a fazer a sua auto-promoção, porque em boa verdade ninguém lhe abriu porta nenhuma. Ninguém lhe fez sequer uma sondagem.
  •          Terceiro, Mário Centeno está a correr em pista própria, à margem do Primeiro-Ministro, do Governo e da coligação que o apoia. Ele quer agir sozinho. Ainda esta semana deu várias entrevistas e até escreveu um artigo de opinião. Mas não esteve presente nas Jornadas Parlamentares do PS. Ou seja, ele quer correr sozinho, na sua própria pista, e não em conjunto com os seus colegas e parceiros de governo.
  •          Finalmente, foi o único dentro de toda a geringonça a ficar feliz com as declarações do MF alemão. O PS, através de César, Jorge Coelho e Galamba, criticou Schäuble. O BE e o PCP obviamente que também não aplaudiram. O único feliz foi mesmo Mário Centeno.

 

  1.        Declarações de Schäuble
  •          Como há dias aqui afirmou Pacheco Pereira, o MF alemão é um homem sabido: sabe mais a dormir que muitos outros acordados.
  •          O que quis dizer, com ironia, é que o mérito dos resultados é de Centeno e não do Governo, que ele detesta. Ou seja, elogiar para dividir.
  •          E conseguiu os seus intentos. Centeno "babado". Os seus pares furiosos.

 

CONDENAÇÕES NO BPN

  1.       Um aspecto muito positivo. Ao contrário do que alguns pensavam, a culpa não morre sempre solteira. O caso BPN sempre pareceu um caso de polícia e o Tribunal confirmou-o. Houve condenações e condenações bem pesadas. Aquela ideia de que os poderosos se safam não teve aqui, uma vez mais, espaço para singrar.

 

  1.       Um aspecto negativo. O factor tempo. Passou muito tempo. Quase dez anos depois de o BPN ter implodido e quase sete depois de o julgamento ter começado. E agora, com recursos da sentença, serão mais alguns anos até ao desfecho final. É mau mas é inevitável. Um caso com estas dimensões – mais de 10 réus, mais de 170 testemunhas e milhões de documentos – não se compadece com uma decisão rápida.

 

  1.       Duas reflexões para o futuro:

a)      O juiz presidente do Tribunal que julgou este processo afirmou que "este foi o maior caso de burla julgado na justiça portuguesa até hoje". Se este foi o maior caso até hoje, imagine-se o que será o caso BES em termos de tempo, de consequências e de implicações!

b)      Finalmente, toda a gente se queixa que no caso BES o Banco de Portugal agiu tarde. Então o que dizer do caso BPN em que o Banco de Portugal nunca chegou sequer a agir? Passou-lhe tudo ao lado e mesmo assim o seu Governador na altura, Vítor Constâncio, foi "promovido" a um lugar no BCE. Não se sentando no banco dos réus, o BP merecia ao menos uma condenação política.

 

GREVE NA FUNÇÃO PÚBLICA

  1.       Não se pode dizer que esta é uma greve a fingir. Mas é uma greve politicamente correcta e muito conveniente. Uma greve que interessa a todas as partes:

a)      Primeiro: é uma greve que agrada aos sindicatos da CGTP. Fazem prova de vida. E num tempo em que há poucas greves disfarçam a acusação de que estão nas mãos do Governo.

b)      Segundo: é uma greve que interessa ao PCP. Estamos em ano de eleições. E em tempo de eleições o PCP precisa de mostrar que bate o pé ao Governo. Que não perdeu a sua autonomia e as suas causas tradicionais.

c)      Terceiro: finalmente, é uma greve que também dá jeito ao Governo. Quer para consumo interno, quer para consumo externo, é também uma oportunidade para o Governo reafirmar que não está nas mãos dos radicais da extrema esquerda. Para mostrar novamente que é um governo moderado. Que não cede às pressões dos seus parceiros mais extremistas.

 

  1.       É uma greve tão conveniente para todas as partes que provavelmente até foi combinada entre todos. E, se não foi, parece. Uma coisa é certa: olhando para as declarações do Governo e sindicatos, vê-se que não há qualquer tensão ou agressividade no ar. Todos estão satisfeitos com este dia de greve.

 

OPERAÇÃO AUTÁRQUICAS

  1.       Porto1 grande questão; 2 questões menores

a)      Grande questão: Rui Moreira consegue ou não a maioria absoluta?

  •          O mais provável é que sim. Tem condições para isso. Se o conseguir tem uma vitória a sério. Se o não conseguir, terá uma vitória pífia.
  •          O que o pode prejudicar não é a gestão que fez ou a ruptura que ocorreu com o PS. O que o pode prejudicar é o caso Selminho.
  •          Se quer uma maioria, tem de gerir este caso com pinças. Por forma a deixar claro que não há qualquer promiscuidade entre interesse público e interesses particulares.

b)      Duas questões menores: PS e PSD

  •          A primeira é saber se o PS consegue repetir o resultado de há 4 anos. Não será fácil. Se conseguir, não sendo nenhum sucesso, é apesar de tudo um prémio de consolação, depois de ter deixado fugir a oportunidade de ficar associado à vitória.
  •          A segunda é sobre o PSD. Se tivesse escolhido um candidato de primeira linha, podia agora crescer e ficar à frente do PS. Não o tendo feito, corre o risco de ficar novamente em terceiro lugar e até de perder votos.

 

  1.       FafeÉ um caso único no país. Nunca se viu um caso destes. Em nenhuma eleição. O PS, enquanto partido, apoia dois candidatos diferentes. Explicando:
  •          O PS nacional, liderado por António Costa, apoia o candidato oficial do PS, Raul Cunha, actual Presidente da Câmara;
  •          O PS local, cujo secretariado é liderado por José Ribeiro, antigo Presidente da Câmara, não acatou as decisões de Lisboa e apoia publicamente o candidato independente Antero Barbosa, que não se desfiliou do PS e continua a ser militante do PS.
  •          Nunca se viu uma situação destas. Uma situação que conduz a uma enorme divisão entre os eleitores socialistas.
  •          O PSD, por sua vez, tenta capitalizar com a divisão do PS e apresenta como candidato Eugénio Marinho – que já concorreu há 4 anos e que nos inquéritos internos dos dois maiores partidos se apresenta, neste momento, em segundo lugar.
  •          Um caso único, para figurar no Guiness. PS nacional e PS local, um contra o outro.

 

MADONA EM PORTUGAL – PORQUÊ?

  1.       Ao longo da semana foi notícia a estadia de Madona em Portugal e o seu alegado desejo de aqui fixar residência. E parece que é verdade: Madona terá ponderado, a seguir à vitória de Trump, mudar-se para a Europa, hesitou entre Itália, Espanha e Portugal e alegadamente está virada para se fixar no nosso país.
  1.       Este caso não teria importância de maior se fosse um caso pontual e isolado. Mas não é. Há outros estrangeiros ilustres – sobretudo do mundo da cultura e do desporto – a fazerem o mesmo. Éric Cantona, Monica Belluci, Joel Santoni entre outros que já cá estão e outros que se fala que virão.
  1.       Por que é que isto sucede? Para muitos trata-se de juntar o útil ao agradável.

a)      Primeiro: o agradável. Portugal está na moda. Não tem a ver com razões políticas. Tem a ver com o país. Portugal está na moda porque é um país estável, tolerante, moderno, cosmopolita e, sobretudo, nos dias que correm, um país seguro (a segurança é um activo importante). E vários sucessos internacionais dos últimos tempos ajudaram muito a valorizar a imagem de Portugal.

b)      Depois, o útil: os impostos. Portugal tem um regime fiscal muito simpático para estrangeiros. É o chamado "regime fiscal do residente não habitual". Verificadas determinadas condições, alguém que passe pelo menos 183 dias por ano em Portugal ou tenha cá residência habitual tem, durante 10 anos, um certo paraíso fiscal.

  •          Não é por acaso que Portugal é especialmente procurado pelos franceses que se confrontam com impostos muito elevados em França. Ou por reformados do norte da Europa.

Conclusão: já tivemos um período, nos anos noventa, em que eramos a moda na Europa para o investimento produtivo estrangeiro. Hoje estamos na moda mesmo para viver.

 

BRASIL A FERRO E FOGO

  1.       Primeiro ponto: a comparação com a Operação Mãos Limpas. O que está a suceder no Brasil com a operação Lava Jato faz lembrar a Operação Mãos Limpas, em Itália, liderada há anos pelo Juiz Di Pietro. É uma crise sem precedentes em que sobressaem 3 realidades: uma classe política corrupta; uma classe empresarial corrupta e decadente; uma justiça corajosa e determinada.
  1.       Segundo ponto: a renovação da classe política. O mais provável é que não fique pedra sobre pedra. Empresários e políticos, mais à direita ou mais à esquerda, aparentemente ninguém se salva. As promiscuidades e as ligações perigosas são mais do que muitas. E, tal como sucedeu em Itália, nos anos noventa, o mais provável é que desta crise tenha de emergir uma nova classe política dirigente. Esperemos que seja melhor, mas ninguém o pode garantir.
  1.       Terceiro ponto: quem com ferros mata com ferros morre. Ao Presidente Temer aplica-se bem um ditado português – quem com ferros mata com ferros morre. Promoveu a destituição de Dilma e pode ser vítima agora da sua própria destituição. O oportunismo tem sempre um custo pesado.

No imediato, o problema já só se resolve com a saída de Temer e eventual realização de eleições. O Presidente está politicamente morto. Só ele não percebeu ainda. E, quanto a eventuais eleições, são inevitáveis para recriar uma nova legitimidade mas não é seguro que acabem com a crise. Vai ser uma crise longa e profunda.

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