Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da análise semanal que Marques Mendes faz na SIC, onde diz que o Governo quer acordar tudo com os seus parceiros antes das autárquicas e o PCP quererá deixar para depois do dia das eleições.
- No espaço de um ano temos vindo a fazer história: ganhámos um Europeu de Futebol, que nunca tínhamos ganho; elegemos um Secretário Geral da ONU, o que nunca imaginámos; e ganhámos agora o festival da Eurovisão que em 53 anos nunca tínhamos ganho.Não há certamente grandes traços em comum em todas estas vitórias a não ser duas coisas: tudo isto é história e tudo isto significa que talento não nos falta.
- Às vezes falta-nos organização e confiança. Mas talento e qualidade não nos falta. Como se viu agora na música.
- Há anos que Portugal quase não ligava ao festival da Eurovisão. Este ano tudo foi diferente. O cantor e a canção transforaram-se num fenómeno nunca visto de popularidade e sucesso. Nas redes sociais, nas casas de apostas, na imprensa internacional. Porquê? Porque fomos diferentes.
a) Primeiro, na canção. É uma canção diferente do tradicional. Anti-festivaleira. Uma canção romântica que impressiona pela simplicidade e pela sensibilidade.
b) Depois, no intérprete. Salvador Sobral gera empatia à primeira vista. Seja pela voz, seja pela fragilidade física, seja pela autenticidade, seja pelo discurso simples, a verdade é que é um caso especial de popularidade e de qualidade. Fez a diferença.
- Ao longo destes 100 anos, Fátima passou por várias fases:
a) No início, em 1917, Fátima foi sobretudo um fenómeno de forte religiosidade popular marcada por 3 realidades:
- A guerra – Estávamos em plena 1ª Guerra Mundial e Portugal passava uma fase de grande sofrimento.
- A perseguição da 1ª República à Igreja Católica. Só nesse ano 6 bispos tinham sido expulsos pelo poder político de então.
- E, finalmente, a Revolução Russa que acontece no mesmo ano e que fica no imaginário como um dos segredos de Fátima.
b) A 2ª fase é a fase das dúvidas da Igreja sobre o fenómeno das aparições e da "intervenção " do Estado Novo. Durante muitos anos a Igreja desconfiou das aparições.
- Só em 1930 há, finalmente, o reconhecimento das aparições como um fenómeno divino.
- E esta é também a fase que corresponde à tentativa do Estado Novo se apropriar politicamente de Fátima e de fomentar o anti-comunismo. É o tempo do Portugal visto como Fado, Futebol e Fátima.
c) A 3ª fase ocorreu há 50 anos, em 1967, com a visita de Paulo VI. O primeiro Papa a visitar o Santuário.
- É uma visita que o regime de Salazar não desejava. Paulo VI era uma figura não grata para o regime, por causa de uma visita à Índia; estávamos em plena guerra colonial e o Papa apresentava-se como mensageiro da paz.
- Mas é uma visita decisiva – consagra Fátima, pela primeira vez, no plano além fronteiras.
d) A 4ª fase ocorre com João Paulo II. O Papa que veio três vezes a Fátima. É a fase da internacionalização definitiva de Fátima. Foi a definitiva consagração de Fátima como um dos locais mais importantes de peregrinação de todo o mundo.
e) A 5ª fase é esta: a comemoração dos 100 anos das aparições, com a vista do Papa Francisco e sobretudo com a canonização de dois dos três pastorinhos de Fátima.
- Em todas estas fases há um ponto em comum: o Culto Mariano que tem uma forte implantação em Portugal. A primeira designação de Portugal é a de Terras de Santa Maria. A Restauração da Independência em 1640 fica associada a Nossa Senhora da Conceição, padroeira e rainha de Portugal. E ainda hoje mais de 40% dos locais de culto em Portugal têm o nome de Nossa Senhora.
O Papa do povo
- Nesta visita, o Papa Francisco mostrou, uma vez mais, as principais características que fazem dele um Papa diferente.
a) A sua enorme popularidade e simpatia, quer nos crentes, quer nos não crentes. A sua presença em Portugal não deixou ninguém indiferente. Nos crentes gerou entusiasmo; nos não crentes suscita respeito e até admiração.
b) A sua grande simplicidade. Isso vê-se nos gestos (por exemplo a despedir-se da Virgem de lenço mão como qualquer peregrino); mas também nas mensagens, ao defender uma Igreja "pobre nos meios mas rica no amor".
c) A sua cultura de proximidade. Ele que antes de ser Papa defendeu uma Igreja aberta ao mundo e a levar a esperança a todas as periferias (sejam as do sofrimento, da injustiça, da marginalização). Falou de esperança mais de 10 vezes
d) E, finalmente, a coragem e a frontalidade da mensagem. Foi o que evidenciou, por exemplo, naquela frase marcante: Nossa Senhora não é a "santinha a quem se recorre para obter favores a baixo preço."
- Coragem – Esta é, porventura, a característica mais marcante deste Papa e aquela que mais impressiona crentes e não crentes.
- Coragem nas mudanças dentro da Igreja. É o caso da relação da Igreja com os divorciados no acesso à comunhão; ou com os homossexuais; mas são também as posições frontais do Papa contra "esta economia que mata", contra o neo-liberalismo e a exclusão social.
- E é esta coragem que lhe tem granjeado também vários inimigos, dentro e fora da Igreja. Interessante é a forma como o Papa responde a isso, quando questionado sobre os seus inimigos: "Deixem-nos fazer o seu trabalho que eu faço o meu".
- É de facto um Papa diferente.
O Benfica do tetra
- Também aqui aconteceu história. Mas desta vez história apenas para o Benfica e para os Benfiquistas. É a primeira vez que o Benfica ganha 4 campeonatos seguidos.
- Aqui chegados, há duas questões a considerar:
a) O Benfica foi um justo vencedor? Penso que sim.
- Primeiro, porque num campeonato que foi talvez dos mais fracos dos últimos anos, o Benfica foi o clube mais regular – esteve em primeiro lugar desde a 5ª jornada.
- Depois, porque os seus adversários directos, sobretudo o FCPorto em momentos em que o Benfica tergiversou, não souberam aproveitar as oportunidades.
b) A segunda questão é que está a suceder ao Benfica, hoje, o que durante muitos anos aconteceu ao FCPorto.
- Mudam os treinadores, mudam os jogadores, mas o Benfica ganha à mesma.
- É a vitória da máquina, da estrutura e da organização. E nesse plano o Presidente Luís Filipe Vieira está a fazer história no Benfica.
- Agora, o próximo ano vai ser um ano de grande tensão entre os três grandes:
- Por um lado, o Benfica vai querer ganhar o Penta.
- Por outro lado, Sporting e Porto vão tentar interromper esta caminhada vitoriosa dos Benfiquistas.
- Adivinha-se um próximo campeonato ainda mais competitivo e tenso do que este.
O orçamento para 2018
- Ponto prévio: falando em boas notícias, há que realçar que o INE divulgará amanhã os resultados do crescimento do PIB no primeiro trimestre deste ano. Ao que parece, são resultados muito positivos.
- Ao que parece, designadamente segundo algumas instituições, estima-se um crescimento superior a 2,4% neste trimestre, em comparação com o mesmo trimestre de 2016, com aceleração das exportações e sobretudo aceleração do investimento, e um menor crescimento do consumo.
- Se o INE confirmar estes dados, como se prevê, podemos estar perante o melhor resultado desde há 7 anos (2010), com uma estratégia de crescimento correcta (alavancada pelo investimento e pelas exportações), mas que curiosamente é a oposta àquela que o Governo defendia no passado.
- Orçamento para 2018 – Ao que veio a público, o Governo quer acordar tudo com os seus parceiros antes das autárquicas e o PCP quererá deixar para depois do dia das eleições.
O que vai suceder? Algum braço de ferro? A meu ver uma coisa muito simples: vão acordar tudo o que é essencial e importante antes das autárquicas mas só vão divulgar o acordado depois das eleições.
a) Primeiro: porque fazer um orçamento leva meses. Não se faz em 15 dias. Ora as autárquicas são a 1 de Outubro e o orçamento entra na AR no dia 15 de Outubro.
b) Segundo: porque o que o Governo tem a acordar com os seus parceiros são, sobretudo, duas questões – descongelamento de carreiras da função pública e revisão dos escalões do IRS. Não parece difícil acordar antes das eleições.
c) Terceiro: apesar de acordarem tudo antes das autárquicas, não farão qualquer divulgação e até dirão que nada está definitivamente fechado. Sobretudo para permitir que o PCP e também o BE tenham espaço de manobra para o discurso político que têm de fazer em campanha eleitoral.
A promessa de Cristas
- Assunção Cristas surpreendeu esta semana com uma proposta de ampliação do Metro, criando 20 novas estações na Grande Lisboa. Foi, todavia, uma surpresa muito negativa.
a) Primeiro: porque soa a campanha eleitoral. Porque cheira a oportunismo político. Fica a sensação de que Assunção Cristas só se lembrou disto agora porque é candidata em Lisboa.
b) Segundo: porque prometer sem estudar e sem fundamentar é um péssimo princípio.
- Quanto custa esta ideia? Ninguém sabe. Nem a própria. O que se imagina é que nunca custará menos de 3 mil milhões de euros.
- Donde vem o dinheiro? Não está estudado.
- E para obter o dinheiro para estas obras, onde se corta? É que o dinheiro não é elástico.
- Sem respostas a estas questões, tudo não passa de propaganda eleitoral.
c) Terceiro: iniciativas como esta só descredibilizam quem as faz. E não dão um voto. É pura ilusão pensar o contrário. As pessoas podem não ter cultura política mas não são destituídas. Já não alinham em promessas fáceis.
- Conclusão: um tiro falhado. E a oportunidade para uma recomendação: estamos em ano de eleições. É melhor dar um desconto a todas as promessas que vão ser feitas nos próximos meses. Venham de onde vierem.
Greves na saúde e na justiça
- Greve dos médicos:
a) Primeiro: teve o sucesso que se esperava. Ou seja, grande.
b) Segundo: fica a sensação que podia ter sido evitada se tivesse havido um pouco mais de esforço de parte a parte: do Ministério e dos Sindicatos.
c) Terceiro: as propostas dos médicos são legítimas, várias até justíssimas, mas atenção: é preciso conciliar justiça com sustentabilidade. É preciso haver equilíbrio e bom senso.
d) Finalmente: espera-se que haja agora, depois da greve, o espírito de diálogo produtivo que não houve antes da greve.
- Greve dos juízes (é a greve de que agora se fala para os próximos tempos):
a) Os juízes têm total razão na reivindicação que fazem – estão há 6 anos à espera da revisão do seu estatuto.
b) Mas não têm razão na ideia da greve. Por uma razão singular:
- É que os juízes são membros de órgãos de soberania. Porque os Tribunais são órgãos de soberania. E não é suposto os membros dos órgãos de soberania fazerem greve.
- Uma greve de juízes é praticamente tão absurda como uma greve de Ministros, Deputados ou do Presidente da República. São todos titulares de órgãos de soberania.
- Claro que houve 3 greves de juízes no passado. É verdade. Mas um erro corrige-se. Não se repete. E no momento em que os juízes fazem greve é sempre mais uma oportunidade para se desprestigiarem.