Opinião
A esquina do Rio
Durante uns anos criou-se a ideia de que o trabalho manual seria uma coisa menor e que as pequenas empresas não teriam futuro.
Back to basics
A coisa mais importante da vida é nunca deixarmos de nos questionar.
Albert Einstein
Tema
Durante uns anos criou-se a ideia de que o trabalho manual seria uma coisa menor e que as pequenas empresas não teriam futuro. Louvou-se a massificação, a dimensão e desprezou-se a produção diferente, quase artesanal. Nesse tempo as boas ideias só podiam ser boas se tivessem uma escala enorme: o resultado está à vista de todos. Mas o que é mais curioso é que a crise do crescimento acelerado abriu caminho para uma nova geração - a que vou chamar a geração do novo artesanato ou da nova manufactura, se preferirem. Os últimos anos estão cheios de bons exemplos de pessoas que perderam os seus empregos e decidiram criar qualquer coisa de seu - desde uma tarte de amêndoa a uma linha de roupa ou a um serviço de entregas personalizadas. No fim do dia o que interessa é que estas pessoas, tecnicamente qualificadas e treinadas, imaginaram um produto, aplicaram os seus conhecimentos, criaram marcas e felizmente muitas têm feito sucesso. Sempre achei que nos devemos esforçar por ver o lado bom das coisas más, mas neste caso é fácil - a crise criou uma geração de empreendedores como há muito tempo não víamos em Portugal . Todos os dias ouvimos falar de novos pequenos negócios, nas grandes cidades mas também no interior, que ao princípio arrancam baseados no esforço único do seu criador, a partir de um canto em casa, e que passado algum tempo estão a alugar instalações, a contratar pessoas, a criar procura. Em suma, estão a dinamizar a economia, contra tudo e contra todos - contra um governo demasiado apressado a impôr directivas europeias que os nossos vizinhos ignoram, contra um fisco que considera a iniciativa um pecado, contra um Estado que por princípio desconfia e é inimigo de quem faz alguma coisa de novo. Gosto destes novos empreendedores, que arriscam, inventam, resistem à pressão dos gigantes da distribuição e se afirmam pela criatividade, a qualidade e a capacidade de comunicação. Para eles vão os meus melhores votos para 2014.
Dixit
"Parece-me que neste momento existem falhas no plano de ajustamento da troika".
Leonardo Mathias, Secretário de Estado da Economia, em entrevista ao jornal espanhol "Expansión".
Semanada
• Três Secretários de Estado aproveitaram a época do Natal para se auto-oferecerem a prenda de saírem do Governo • dez mil advogados devem 3,4 milhões de euros em quotas à Ordem dos Advogados • em 15 cadeias portuguesas há 14.349 reclusos, uma média de 3,4 presos por guarda prisional • o desemprego jovem aumentou 2,2% em Novembro • 62% das uniões celebradas em Portugal em 2012 foram casamentos civis • o que mostra a perca de predominância dos casamentos religiosos • desde 2000 tem vindo a aumentar a percentagem de casais que vivem juntos antes de casar, que agora já é de 49,6% • as Câmaras Municipais gastaram mais em luzes e festas de Natal que em 2012 • por força da decisão do Tribunal Constitucional só no sector privado é que a idade da reforma sobe para 66 anos, a partir de Janeiro de 2014 - no Estado mantém-se nos 65 anos • a PSP levantou este ano 60 autos por protestos na Assembleia da República; este ano as falências judiciais diminuíram 0,7%, o que acontece pela primeira vez desde o início da crise • desde o início do ano as falências de particulares registaram um aumento de 4% • a receita fiscal obtida em Novembro foi 16,5% mais alta que a registada no mesmo mês do ano passado; desde 2012 Portugal pagou quase 3 mil milhões de euros à troika, em juros e comissões • desde que a troika entrou em Portugal foi cortado o apoio a cerca de dez mil idosos com baixos rendimentos.
Arco da velha
O relatório sobre os incêndios de Verão indica que as chefias dos bombeiros têm falta formação básica sobre fogos e aponta erros frequentes no uso do contrafogo.
Provar
No Inverno, quando não há sardinhas e apetece um petisco, que fazer? A minha sugestão é que aproveitem as fantásticas conservas de sardinha portuguesas - e nos últimos anos têm ressurgido boas marcas antigas. Uma delas é a Fábrica de Conservas Pinhais, fundada em 1920. A Pinhais produz três variedades muito procuradas - as sardinhas em azeite virgem, as sardinhas em azeite temperado, picante, e as sardinhas em tomate. Há mesmo uma embalagem de degustação onde vêm caixas de conservas destas três variedades. A empresa, de Matosinhos, continua nas mãos da mesma família desde a fundação, utiliza os métodos tradicionais e emprega cerca de 140 pessoas. O trabalho é quase todo feito manualmente, desde a escolha e preparo da sardinha à sua colocação nas latas, o que proporciona uma qualidade diferente ao produto final. Gosto destas sardinhas como entrada, acompanhadas de um pedaço de bom pão tostado - mas há quem as arranje e tire a pele e as espinhas e misture com um esparguete. Seja como fôr, as conservas de sardinha, quando são boas, são uma grande base para a nossa petiscaria. A tradicional tiborna, que é a mais portuguesa das tapas, fica à maravilha com umas sardinhas em tomate ou picantes por cima.
Gosto
Da aplicação de novas tecnologias à criação e monitorização de um rebanho comunitário em Penela, para garantir a produção do queijo Rabaçal na região.
Não gosto
De quem escolhe a época do Natal para fazer greve e depois ainda se congratula com a acumulação de lixo nas ruas.
Ver
Proponho para estes dias entre o Natal e o fim de ano duas exposições bem diferentes. Uma está no CCB, no espaço dedicado a exposições de arquitectura, a Garagem Sul e tem um título desafiante: "África - Visões do Gabinete de Urbanização Colonial", com curadoria de Ana Vaz Milheiro, com Ana Cannas e João Vieira. Através de um conjunto de desenhos, relatórios e fotografias, depositados no Instituto de Investigação Científica Tropical, e que são apresentados em público pela primeira vez, mostra-se uma paisagem africana desenhada e inventada a partir do coração da metrópole, em Lisboa, no período final da colonização portuguesa, entre 1944 e 1974. A outra exposição, bem diferente, está em pleno Chiado, na galeria João Esteves de Oliveira, na Rua Ivens 38. Sob o título O "Melhor do Acervo", João Esteves de Oliveira apresenta trabalhos em papel de artistas consagrados como Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Chafes e artistas mais novos, como Manuel Diogo (de quem é a obra aqui reproduzida), Vasco Futscher, Josefina Ribeiro, Carmo Posser ou Hugo Palma, entre outros.
Folhear
Em 1962 foi criada uma organização chamada British Design & Art Directors, com David Bailey entre os seus fundadores. No ano seguinte começou a atribuir prémios, os célebres e muito desejados Yellow Pencils. Em 2011 a organização, entretanto transformada em Fundação, deixou de ser só britânica, globalizou-se, mudou o nome para D&AD e reflecte o que de melhor existe no design e art direction em todas as suas disciplinas. Continua a atribuir prémios e a Taschen edita o anuário. Este Natal trouxe-me o anuário de 2013, magnífico, 600 páginas em honra à criatividade aplicada à publicidade tradicional e digital, mas também à edição de livros ou de imprensa, passando ainda pela rádio e o cinema. A edição de 2013, cuja capa aqui se reproduz, tem as suas páginas de abertura dedicadas a reflectir sobre a importância da criatividade no mundo contemporâneo e sobre diferentes perspectivas para o ensino artístico e para a forma como as escolas abordam as disciplinas criativas. O Presidente da D&AD nesta edição foi Neville Brody, um dos mais conceituados designers britânicos, responsável pelo inovador grafismo da revista "Face", depois da "Arena", criador de capas para discos dos Cabaret Voltaire, Level 42 ou Depeche Mode, entre outros. No seu texto inicial deste livro, Brody desenvolve uma ideia interessante: "Numa época de crescente desigualdade o nosso dever é proporcionar acesso o mais amplo possível à oportunidade de os estudantes receberem ensino nas áreas creativas e não apenas nas tradicionais ciências, engenharia, tecnologia e matemárica. O dever de qualquer Governo é levar a sério as indústrias criativas e o ensino da criatividade, tão necessária para o desenvolvimento da indústria, do comércio e da cultura."
Ouvir
O disco de que hoje falo é, para mim, uma das mais estimulantes edições de jazz do ano que agora está a acabar. O saxofonista norte-americano Joshua Redman chamou para o seu lado o trio dirigido pelo pianista Brad Mehldau, o baixista Larry Grenadier e o baterista Brian Blade. A tudo isto juntou uma orquestra dirigida por Dan Coleman. O resultado é um disco, "Walking Shadows", que está no limiar entre o easy listening e um clássico. Brad Mehldau foi o produtor e teve certamente uma palavra a dizer na escolha do repertório, introduzindo temas inesperados num disco de jazz. Começo pelo "Let It Be" dos Beatles (um grupo cuja obra Mehldau gosta de revisitar) onde Redman mostra bem o seu talento de saxofonista, passando do gospel para o funk com elegância. Logo no tema de abertura, "The Folks Who Live On The Hill", um standard de Jerome Kern e Oscar Hammerstein II, Dan Coleman cria um fundo orquestral que permite a Redman mostrar o seu talento. A versão do "Adagio" de Bach é um exemplo de simplicidade com o saxofone praticamente apenas em diálogo com o baixo. Outros pontos altos são "Lush Life" ou "Easy Living" e sobretudo o trabalho de arranjos e execução em "Last Glimpse Of Gotham", um tema do próprio Mehldau. O disco encerra com um belíssimo original de Redman, "Let Me Down Easy". Alguns puristas acharão que a escolha do repertório é de gosto duvidoso e de um ecletismo perigoso. Eu acho a escolha provocante. E corajosa - ainda por cima com um excelente resultado final. (CD Nonesuch).