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21 de Janeiro de 2015 às 19:39

Politicamente expostos

Há dias tive de me deslocar a uma agência bancária para tratar de umas "questões de intendência" relativas à conta aberta em nome da administração do condomínio que partilho com um pequeno número de vizinhos.

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Tratava-se tão-só – disseram-me – de assinar uns papéis que permitiriam acrescentar um novo titular aos dois actualmente existentes. A referida conta serve exclusivamente para receber as prestações dos condóminos e para pagar pequenas despesas das partes comuns. Duvido de  que alguma vez lá tenha entrado – ou de lá tenha saído – qualquer montante superior a umas poucas centenas de euros.

 

Assinados vários exemplares e preenchida pela enésima vez a ficha onde declino nome, morada, género e os vários números que nos vão sendo atribuídos para tudo e mais alguma coisa, deparei-me com um questionário onde me perguntavam se era – ou tinha sido recentemente – uma "pessoa politicamente exposta" ou se tinha um relacionamento próximo ou familiar com "pessoas politicamente expostas".

 

A minha reacção imediata foi a de responder que "politicamente expostos" estamos todos – e muito – desde que nascemos. Desconhecendo, em concreto, o significado da expressão – que também não me foi explicado, já que apenas me foi dito que seria uma imposição recente do Banco de Portugal – e não fazendo a menor ideia da relevância que tal qualificação poderia assumir na gestão de um pequeno condomínio, achei por bem dizer que nada tinha a declarar sobre o assunto e segui o meu caminho.

 

Não precisei de muito tempo para descobrir a existência de uma vasta produção legislativa sobre a matéria. Duas directivas do Parlamento Europeu e do Conselho, uma lei emanada da Assembleia da República, um aviso do Banco de Portugal e vários regulamentos depois, percebi que a identificação das "pessoas politicamente expostas" faz parte do importante conjunto de "medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo".

 

Não tenho a menor dúvida de que o branqueamento de capitais e o terrorismo são dois dos maiores flagelos da sociedade em que vivemos. Tudo o que pudermos fazer para os prevenir e reprimir será bem-vindo. Duvido, contudo, da bondade e da eficácia de muitas das medidas que vêm sendo adoptadas ou propostas, como a realidade facilmente demonstra. Não é certamente através da multiplicação de intervenções burocráticas nos mais diferentes sectores de actividade, de limitações generalizadas à liberdade de deslocação ou da reposição "à medida" de controlos fronteiriços que o alcançaremos. Os criminosos são pouco sensíveis aos comandos legais...

 

Saber distinguir o que é relevante daquilo que não o é, pode não ser fácil. Mas é o desafio que temos pela frente. Lançar uma espécie de suspeição generalizada, confundindo o todo com a parte, pode causar uma falsa sensação de alívio. Mas não são as pessoas que devem estar sob escrutínio; são os seus actos e comportamentos suspeitos (movimentações financeiras, aquisições, deslocações, etc.).

 

P.S: Depois de ler com afinco toda a produção legislativa fiquei sem saber se afinal sou ou não uma "pessoa politicamente exposta". O defeito só pode ser meu...

 

Advogado

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