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22 de Fevereiro de 2015 às 20:35

O fim da Europa que conhecemos

A Sul e a Leste joga-se o futuro da Europa. Talvez sobretudo a Leste, na Ucrânia, onde o ruído das armas é mais forte do que a "vontade" manifestada por alguns em Minsk, mas certamente também a Sul, na nova Grécia de Tsipras e Varoufakis e daqui a poucos meses, talvez, na Espanha de Iglesias.

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Enquanto Putin persiste na atitude desafiante do czar que testa os limites da paciência da NATO e procura fugir ao desespero de uma economia devastada pela excessiva dependência das exportações de gás e petróleo (remeto para o interessante texto de Thomas Friedman no NY Times de 28 de Janeiro, "Czar Putin's Next Moves"), a Europa desgasta-se. Nas últimas semanas, (quase) tudo gira à volta da Grécia, do programa que não se estende, do empréstimo à procura de uma ponte, das conversas técnicas com as "instituições anteriormente conhecidas como troika", dos discursos inflamados e "pistolas apontadas à cabeça" e das peculiaridades vestimentares dos novos protagonistas.

 

Esqueçamos por um momento o detalhe. Admitamos que, com mais ou menos boa vontade de parte a parte, haverá uma daquelas "soluções" em que a Europa é pródiga, adiando os incómodos para daqui a alguns meses ou até anos, a troco de um punhado de milhões e de promessas vagas. A questão de fundo é política. Pela primeira vez, temos num Estado-membro da União (e da Zona Euro...) um governo democraticamente eleito cujo programa e ideário são claramente distintos da matriz que fundou e tem governado a Europa. Provavelmente, teremos a curto prazo outros governos desalinhados, em Espanha (com o Podemos) e talvez mesmo em França (com a Frente Nacional). Dificilmente a União Europeia sobreviverá a este choque.

 

A construção europeia é uma obra do "mainstream" político europeu, desenvolvida ao centro por partidos e personalidades sociais-democratas, democratas-cristãos e liberais. Ora um pouco mais à esquerda, ora ligeiramente mais à direita. Grande parte das clivagens nacionais entre os partidos do governo e os principais partidos da oposição sempre ficou à porta dos Conselhos em Bruxelas. Não poucas vezes coligações de Estados-membros governados mais à direita bloquearam iniciativas "liberais" de governos sociais-democratas e socialistas do Norte europeu. O espectro político do governo da União foi sempre limitado e facilmente balizável ao centro. A realidade agora é - e muito provavelmente vai ser ainda mais - outra. A entrada da "esquerda à esquerda" pela mão do Syriza (e talvez do Podemos) e da "direita à direita" (seja através da Frente Nacional ou de outras forças políticas que despontam em vários Estados-membros) colide com o desenho que foi sendo feito ao longo dos últimos 60 anos e ameaça implodir o edifício europeu tal como o conhecemos.

 

Causa-me por isso a maior perplexidade os apelos ao consenso e a simpatia benevolente de alguns responsáveis políticos e das personalidades que se dedicam à nobre arte de subscrever tudo o que é manifesto e carta aberta. Não me refiro, claro, àqueles que são da "esquerda à esquerda", para quem a UE sempre foi a personificação da "democracia burguesa". Falo dos outros. Dos que são ou dizem que são do PS, do PSD e do CDS e europeístas convictos. De que Europa falam eles?

 

Advogado

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