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Dizer não!

A justiça portuguesa deu mais um trambolhão. Cada decisão no caso Sócrates mostra que não é deste mundo. Do mundo civilizado, democrático, da liberdade e dos direitos dos cidadãos. Recorda os piores momentos da nossa história e de uma justiça discricionária e perversa.

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Mais do que os episódios, essa é a questão que nos devia preocupar. Estamos a avançar ou, também aqui, a retroceder? A justiça é hoje mais séria, eficiente e responsável? Ou, ao invés, mais atabalhoada, arrogante e irresponsável?

 

Claro que quando se fala do caso Sócrates é como discutir religião ou futebol. São conversas em que o irracional vence sempre. Porque os argumentos, racionais, não valem nada. Quem acredita em deuses ou clubes, mesmo sem qualquer prova objetiva para sustentar as suas convicções, acredita e pronto.

 

Uma parte do país está absolutamente convencida, sem qualquer prova sólida, da culpabilidade. Ainda que há que reconhecer, porque não sou crente, nem fanático, que outra parte está igualmente convencida, sem provas, de que é inocente. Mas a questão não é essa. Cabe a quem acusa apresentar essas provas, objetivas e fundamentadas. Não o contrário. Sucede que ao fim de seis meses continua a não existir nenhuma acusação formal, como seria de esperar para qualquer "suspeito" e ainda mais para um ex-primeiro-ministro. Tudo o que vai surgindo na comunicação social, numa valsa sórdida, são insinuações e mais insinuações. Por esta altura Sócrates terá recebido luvas pela Ponte Vasco da Gama, pelo novo aeroporto, pelas escolas da Parque Escolar, pelos negócios do grupo Lena, por empreendimentos turísticos, pela venda de quintas, de imóveis e outras minudências. Ainda se esqueceram dos computadores Magalhães e da comissão na venda das bolas de Berlim nas praias do Algarve. Alguém devia explicar a esta gente o que é a entropia. 

 

Em suma prendeu-se para investigar. Uma investigação aleatória que dispara para todos os lados, mas que na realidade assenta numa única estratégia. Condenar e humilhar na praça pública. Daí as indignas "fugas" atiradas para a comunicação social que transformam o pretenso "segredo de justiça" numa farsa e o Ministério Público numa casa pouco recomendável, para ser meigo. Ainda esta semana saíram numa revista as transcrições de um interrogatório recente a José Sócrates. Quem terá dado a gravação? É preciso chamar Sherlock Holmes ou Hercule Poirot? Parece que sim, já que estas histórias são dignas de séries policiais. Das más.

 

O mais recente episódio do caso Sócrates é sintomático. Reconhecendo que não se justifica a prisão efetiva propôs-se a humilhante pulseira eletrónica. Uma solução hitech que recorda as grilhetas medievais. Sócrates mostrou que tem um nível moral e uma dignidade muito superior aos seus acusadores. Disse não. Um ato de enorme coragem, muito raro numa sociedade minada pela falta de espinha. A manutenção da sua prisão, quando existiam outras alternativas e desde logo a libertação pura e simples, exprime a extrema arrogância que infelizmente continua a marcar muita da nossa justiça. É um quero, posso e mando que não se coaduna com a sociedade do século 21. Como afirmou o advogado João Araújo em declarações públicas muito corajosas, revela "uma vingança mesquinha".

 

Quanto à magna questão da perturbação do inquérito, é no mínimo peculiar que após seis meses de investigação, que segundo se diz começou dois anos antes, esta ainda possa ser perturbada. É um péssimo sinal que se transmite para a opinião pública e que devia levar muitos dos acusadores de bancada a refletir. Então ainda não têm o assunto perfeitamente assente? Ainda não têm todas as provas? Falta papelada?

 

Quem tem perturbado, e bastante, o inquérito são os próprios acusadores e os jornalistas eleitos que fazem revelações estapafúrdias a todo o instante e lançam, se não o alarme social, pelo menos o alarme comunicacional que é cada vez mais uma coisa similar. Isso sim tem contribuído para a degradação da justiça e para o desbaratar do valor supremo da credibilidade. Sem credibilidade não há justiça. Só há medo. Só há cobardia. Quem tem coragem de dizer não?

 

Artista Plástico

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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