Opinião
A tribo dos assassinos
O que explica a adesão de tantos jovens europeus às ideias do fundamentalismo islâmico? Há quem diga que é a religião. Outros apontam o desencanto pelo materialismo ocidental. Eu acho que é simplesmente uma nova moda tribal.
Nos anos 60 os jovens foram hippies, com flores no cabelo para combater a sociedade de consumo; nos anos 70 vieram os punks, com penteados moicanos, pregos nos casacos e muita agressividade; mais tarde, a partir do final dessa mesma década, surgiram os skinheads uma versão punk fascista; entretanto apareceram tribos de guerrilheiros, ambientalistas, pacifistas, drogados. Agora, surgiu uma nova tribo ultrarradical. A dos assassinos.
Alguns jovens, com destaque para os das periferias de Londres, mas também de Paris e outras cidades europeias e asiáticas, e até do meio do Alentejo imagine-se, decidiram ir para a Síria e o Iraque matar pessoas. Fazem-no com enorme entusiasmo pela pertença à tribo. É melhor que a Disneylândia diz um deles na Internet.
Tendo em vista a realidade dos seus atos criminosos, uma tal insensibilidade choca, mas não diverge de outras expressões de brutalidade como aquelas que sucedem nos gangues que proliferam nas cidades ocidentais e um pouco por todo o planeta. Este tipo de embrutecimento deve-se antes de tudo à falta de pensamento.
Ao longo do século XX os movimentos mais radicais, mesmo os que adotaram a via da violência como foi o caso de alguns anarquistas, do movimento anticolonial nascido de Frantz Fanon, dos Black Panthers nos Estados Unidos ou, por exemplo, do grupo Baader-Meinhof na Alemanha, assentaram a sua ação nas ideias. A violência não era nem divertida nem gratuita. Resultava de um pensamento, de uma racionalidade. Por isso, a escrita, os livros, o debate de ideias, eram veículos decisivos nas revoltas. De Rosa Luxemburgo a Guy Debord a maioria dos revolucionários passou a vida a ler e escrever. Mesmo os não violentos e emotivos, como os hippies, tinham os seus livros de referência, como o "Pela estrada fora" de Jack Kerouac.
Os jovens que aderem ao fundamentalismo islâmico não têm nada disso. Não há livros, há um só livro. O dogma substituiu o pensamento. Não se pensa, reza-se. A submissão é cega, total e irracional. Na realidade estes jovens abdicam da existência, física e mental, oferecendo-se literalmente como carne para canhão de uma causa difusa. Também por isso são tão insensíveis. Dispostos a morrer, não lhes custa matar. Julgam-se invencíveis e totalmente impunes pois, como diz a jovem alentejana convertida, como derrotar quem está disposto a morrer?
Não pensar tem as suas consequências. Para má sorte da referida jovem, a morte é definitiva. O mesmo é dizer que só se pode ser mártir uma vez. Ora isto gera um problema económico. Tal como nos esquemas Ponzi, um dia esgota-se a capacidade de angariação de suicidas e o sistema implode.
Acresce que a estratégia seguida pela brutal variante do fundamentalismo islâmico, que tanto excita estes jovens, só pode resultar precisamente na morte da maioria deles, e no mais curto prazo. A estratégia do terror em direto tem provocado uma rejeição generalizada do mundo e a exigência de uma ação musculada. Ao mostrarem jornalistas a serem decapitados estão a pedi-las. Faz lembrar a destruição dos budas pelos Talibãs. Podem eventualmente ainda atrair mais uns quantos jovens mentecaptos, delirados com a selvajaria, mas o asco que estes atos provocam no cidadão comum resulta na única resposta que o ocidente sabe e pode dar, ou seja, bombas e mais bombas.
O reverso da medalha é que infelizmente bombardear não revolve problemas. Aliás, amplia-os e acelera a escalada. E esta é óbvia. Para quê gastar um suicida para matar meia dúzia de pessoas, se o mesmo com uma bomba química ou biológica pode matar muitos milhares de uma só vez? A lógica é sinistra, mas inquestionável.
É para aí que caminhamos. Não tenhamos qualquer dúvida. No dia em que acontecer esse ato, ainda mais poderoso do que o 9/11, a vida no ocidente ficará mais difícil. A que se seguirão ainda mais bombas e por aí adiante. Vai demorar algum tempo, e muita desgraça, a acabar este filme.
Artista Plástico
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.