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À espera de Godot

Há anos que a nossa trajectória não traz convergência, a única diferença agora é que falta dinheiro à ilusão e já não sobra muito para o fim do empréstimo. Podemos sempre voltar a pedir e dizer mal de quem empresta, mas mudar algo pelo caminho talvez nos abrigue um pouco da punição luterana.

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E pronto, já está. Os alemães votaram e o mundo não acabou. Nem recomeçou. Tirando o triste desaparecimento dos liberais, os resultados foram, mais ou menos, o que podíamos adivinhar e as variações que para cá podiam trazer nada diferentes, afinal, das que, à nossa frente, se esganiçam: ou austeridade ou um tudo nada menos do mesmo. 


Se calhar a aparência do triunfo, "tout court", da primeira até favorece a segunda, e não digo que dela não precisemos, mas é muito disso a discussão das décimas do "deficit": serve para ir encontrando novo entretenimento e passando ao lado das decisões que ninguém pode tomar por nós.

Alguém dizia bem, a semana passada, que se todo o alívio ajuda, nesta fase tão negra, não é menos verdade que as folgas que esmolamos são sempre para ganhar tempo por falta de coragem, pelo crónico adiamento do que precisamos para tornar mais justa a redistribuição do possível. Aumentar impostos a eito ou cortar despesa rente são fracas novidades. E as reformas?

A política de educação – central a esta conversa pelo que consome de recursos públicos e pelo estribo de futuro que importa seja –, tem estado sempre na ordem do dia, o que já de si é um sinal (o sucesso não costuma suscitar atenção nas políticas públicas…) mas as trapalhadas são umas atrás das outras.

Há umas semanas, o estatuto do ensino particular e cooperativo alargou o uso do cheque ensino, de modo a suscitar larga discussão sobre o modelo de uso dos fundos públicos para o sector. Perante a oportunidade de avançar no famoso guião "15 de Julho" – o dia em que o CM discutiu a reforma do Estado – o ministro optou por nada esclarecer convenientemente, deixando a oposição malhar livremente. Nem os que se podiam enternecer com a bondade da ideia chegaram verdadeiramente a tomar partido porque não houve capitão, quanto mais general.

Depois veio a abertura do ano escolar, com mais confusão do que já era costume, o que até se releva nos tempos de excepção que vivemos, não ficasse a ideia que, como de costume, não foi só a aflição mas também a desorganização que originou este resultado de haver, ainda hoje, educadores e professores por colocar.

Mas o que suscita a maior perplexidade é o erro crasso de regredir no ensino de Inglês. À hora que escrevo já estamos, como no cheque ensino, a multiplicar explicações, com a falta de clareza do costume. Como é possível responder à angústia de um país que, como recordou Félix Ribeiro, parece ter perdido o seu lugar na economia global, cortando na linguagem universal sem qual os jovens portugueses nunca poderão experimentar o mundo, como, de resto, este Governo lhes sugeriu no início do seu mandato? Quem "pensou" nisto? Quem achou boa ideia " poupar" aqui? Isto é racionalidade? Reforma? Como se pode sugerir airosamente retirar tempo lectivo e simultaneamente propor um exame sem garantir que todos a ele acedem e da escola partem igualmente preparados?

Pergunto assim, novamente, e as reformas? É disto que falamos? Três anos depois do guião do empréstimo estar a ser executado, a redefinição das funções do Estado e sua adequação à previsão de um modelo de sociedade que as possa pagar continua por fazer.

Se repararmos bem, estamos no de sempre, com a diferença da escassez fazer carregar nos de baixo de forma nunca vista. Há anos que a nossa trajectória não traz convergência, a única diferença agora é que falta dinheiro à ilusão e já não sobra muito para o fim do empréstimo. Podemos sempre voltar a pedir e dizer mal de quem empresta, mas mudar algo pelo caminho talvez nos abrigue um pouco da punição luterana que, não por acaso, tanta alergia nos causa.

* Advogado, militante do PSD

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