Opinião
Ameaça de recurso ao uso da força
Escrevo na terça-feira e, como os autores da telenovela "Os desastres da Síria" insistem em acrescentar-lhe cada vez mais episódios inesperados, quarta-feira, depois do presidente dos Estados Unidos da América ter falado "urbi et orbi" e sabe Deus que comemorações macabras do dia de hoje tiverem passado por cabeças jiadistas, talvez haja factos novos. Se os houver ficam para a semana, se deitarem até lá.
Leitora diz-me que "nestas coisas da arte da guerra, falta muito de Sun Tzu aos novos líderes, por isso a instabilidade de avanços e recuos". Talvez lhes falte (e lhes falte também Tucídides). Ou talvez não, pelo menos a alguns deles. Obama deve ser um dos presidentes americanos modernos mais "bem preparados", como diziam oficiais do MFA de camaradas seus com leituras filosóficas, e Putin foi bom aluno nos cursos do KGB em que a arte da guerra figurou com certeza. Por seu lado, Assad era oftalmologista, não se lhe conhece estudo de humanidades; morte de irmão fê-lo tomar conta da empresa familiar e nessa escola aprendeu (mal) a sobreviver em guerra e paz. O que hoje falta não vai só dos livros que não se leram. Vai também de já não se cultivar a coragem – a única virtude, dizia Napoleão, que não se pode fingir.
O desenrolar penoso e lento da crise síria desde as suas aparências iniciais de Primavera Árabe, depressa provocando opressão ainda maior e envolvimento de Irão (e Hezbollah) apoiando o regime alauíta – isto é shita – e da Arábia Saudita, outras monarquias sunitas do Golfo e Alqueda apoiando os rebeldes; dos Estados Unidos e aliados europeus procurando ajudá-los também; da Rússia dando apoio militar e, no Conselho de Segurança da ONU, diplomático, a Assad. Até ao último ataque químico, sem ninguém de fora se querer molhar muito. Vamos em mais de 100.000 mortos e 1 milhão de refugiados.
Há uma lição evidente a tirar: sírios e russos só cederam perante ameaça de recurso ao uso da força pelos americanos. Era bom que tal entrasse em cabeças que tenham de discutir quer os orçamentos militares europeus quer o papel da OTAN depois da Guerra Fria.
* Embaixador