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Opinião
29 de Janeiro de 2020 às 19:20

O sofrimento da democracia liberal

Um outro país mediático desponta: o dos universitários dependentes do Estado, muitas vezes clarividentes, trocando galhardetes para marcar sapiência, mas subtis nas análises do contraditório para não perderem a hipótese de estarem perto dos poderes.

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A FRASE...

 

"Troquemos a poesia pela política, os poetas pelos partidos de esquerda e a dor pelo orçamento. Todos estão a fingir. Fingem tão completamente que são oposição uns aos outros que escondem a oposição que deveras sentem." 

 

Luís Marques, Expresso, 11 de janeiro de 2020

 

A ANÁLISE...

 

Os países mediáticos que existem em Portugal abalam, cada um à sua maneira, a democracia liberal. O da Assembleia da República (AR) está preenchido com uma fragmentação permanente política, muitas vezes inútil, de episódios, folclores queirosianos e camilianos de vozes gongóricas para gáudio das massas associativas partidárias. O das televisões, está inundado, pela originalidade portuguesa, de conúbio permanente com a política partidária, em versão tardia, repetida e noturna do ocorrido na AR. Impera o frente a frente individual com uma moderação presumivelmente independente, mas prisioneira de uma agenda circular do Estado para a política e da política para o Estado.

 

A sociedade civil é genericamente mal tratada. As televisões são os estúdios da continuidade de São Bento. O país dos jornais está preenchido com os "spins" encomendados e com as notícias de propostas do Governo e das suas oposições. O escrutínio é subtil no enviesamento ideológico, profusamente desenvolvido nas partes que interessam aos poderes instalados. A edição não tem originalidade, tecla os mesmos assuntos há décadas, com as mesmas conclusões, carregado de opinadores (incluindo os desta coluna...) que comentam o comentado do comentado. Os jornais vivem embrulhados com o caos atual, íntimos, ou não, dos poderes da sociedade. Não sabemos se estão satisfeitos com o "status quo", mas aparentam uma revolta com os desmandos da sociedade, mas inconsequente. Muitas vezes, não descortinamos se reportam factos, lançam opiniões ou interpretam os dados, quer sejam baseados, ou não, em meios de investigação legítimos de um Estado de direito. Escondem-se sempre na necessidade de satisfação das audiências tribalizadas e no dever de informação, em que os meios não contam para os fins. A história revela que foram incapazes de descortinar o que aconteceu, mas são especializados em explicar o que não devia ter acontecido.

 

O país dos senadores da política e da opinião é diferente. Esforça-se para explicar a tragédia portuguesa das últimas duas décadas, sem laivos de otimismo para o futuro, mas é tratado pelas juventudes políticas, políticos no ativo e sociedade do "status quo" como respeitáveis, mas julgados como senis e inconsequentes. Um outro país mediático desponta: o dos universitários dependentes do Estado, muitas vezes clarividentes, trocando galhardetes para marcar sapiência, mas subtis nas análises do contraditório para não perderem a hipótese de estarem perto dos poderes. No país das redes sociais impera uma selva de analistas e comentaristas, tribalizados com as suas audiências, raivosos e agressivos, com o resultado esperado de soma zero para o futuro da democracia. E finalmente o país dos comentaristas estrangeirados que lá vão explicando que não estamos a fazer bem, pois o seu ponto de observação é distante e independente, esquecendo que os que aqui vivem terão de fazer pela vidinha com estas regras democráticas viciadas. Alguém nos tira deste atoleiro? Senhor Presidente: o país precisa de instruções mais claras. Podem e devem ser afetuosas. A democracia precisa do Palácio de Belém para que nasça uma nova luz. 

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

 

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