Opinião
Fim da austeridade
Uma sociedade em que todos são desfavorecidos – ou porque tinham e passaram a ter menos, ou porque não têm e menos vão ter, ou porque têm, mas não conseguem ter mais – é uma sociedade bloqueada na sua essência porque procura resolver o problema à custa do outro, e nunca de si mesmo.
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Os que recebem reformas reclamam que não chegam; os que trabalham vociferam com os impostos; os que necessitam da protecção social assustam-se com a sua redução; os empresários atiram-se aos bancos e à concorrência, os bancos ao Estado e às políticas monetárias e regulatórias que os sufocam, o povo aos políticos, os políticos uns aos outros e ao mundo que não os percebe! É um desastre à espera de acontecer.
O fim da austeridade nacional não será o fim da dívida. Cada ano de défice (menos austeridade hoje) é, em geral, mais dívida acumulada (mais austeridade no futuro). O fim da austeridade europeia poderia ser o princípio da solução. O défice nacional é um problema dos credores. Para as pessoas é a carga fiscal, a diminuição da sua protecção social e a perda de esperança que arrasta. O resto é contabilidade! Mas, os equívocos persistem quanto ao terramoto das consequências de a não percebermos.
Entretemo-nos até à ruptura institucional com os modelos de distribuição do bem-estar proporcionado pela riqueza actual, baseados em voyeurismo e justicialismo salarial. Privilegiamos as instituições dedicadas à distribuição do rendimento e do controlo da sociedade civil, e não criamos as do crescimento e do risco.
A justiça da distribuição resolve-se pretensamente com decretos. É um exercício sempre incompleto e imperfeito. Todavia, a criação de riqueza não se legisla directamente. Resulta de uma vontade colectiva e individual, de ambientes favoráveis à empresa e ao cidadão, e de sageza empresarial.
O contrato saudável que faz uma sociedade crescer entre Estado/Governo/Políticos, sistema financeiro, empresários e trabalhadores é todos os dias colocado em causa através de uma descrença recíproca.
A forma como nos vamos livrar desta maldita dívida, e do Estado social que asfixia, ao mesmo tempo querido e insuportável, ditará naturalmente a evolução política, económica e social do País e da inserção na Europa. A dívida não desaparece com a rotação governativa, maiorias políticas apressadas, impasse governamental, debates televisivos e declarações inflamadas dos "habitues". E o crescimento e emprego muito menos.
Com esta Europa do Norte que teima em não avançar, em último recurso, os governos nacionais, em vez de preparem a transformação da economia privada e libertarem a sociedade civil, ensaiam a intromissão no mercado com novas propostas para investimentos de "estímulo" (aguardo os novos manifestos de obras públicas…), de controlo de preços (salários, rendas, juros e lucros) e de crédito facilitado que passam a ser justificadas socialmente pelos excessos desta crise e austeridade da solução. Estaremos assim a criar a nova crise do futuro, escondendo a actual, e eternizando a maleita, sem nos darmos conta.
O tempo político europeu é o das intermináveis e inconclusivas cimeiras; o tempo de sofrimento e de revolta é "telejornalizado" diariamente. Não sabemos já a diferença entre o real e o real televisivo. Este torna o outro mais insuportável. A política afasta-se de ambos. É incapaz de inspirar uma nova realidade.
Gestor