Opinião
O pessimismo nacional
A pandemia revelou o pior de Portugal: que não confiamos uns nos outros, sem o Estado dar ordens. Se cumprir a Constituição para "abrir o caminho para o socialismo" for isto, deve estar a aproximar-se o momento de mudarmos deste socialismo ou desta Constituição.
A FRASE...
"Triste imagem de um país... A luta dos trabalhadores pelos seus salários é justa, incompreensível é que a discussão sobre o futuro da empresa de handling se arraste há tanto tempo."
Diana Ramos, Jornal de Negócios, 19 de Julho de 2021
A ANÁLISE...
Os portugueses bravos, mais na escrita e na palavra do que na ação, desdenham e não compreendem a mansidão da generalidade do povo. Somos uns patriotas que falam dos outros portugueses como se cada um fosse alheio à sua própria condição de ser português. Eles... não somos nós. No seu exílio campestre, Alexandre Herculano afirmava que "a terra é pequena e a gente que nela vive também não é grande" (ver Pedro Correia na revista Ler - Primavera 21). Já Eça de Queiroz, aproveitando o distanciamento permitido pela sua estada como diplomata em França, escreveria "Os Maias" zurzindo em todas as classes e estratos sociais por não se conseguir libertar Portugal do seu atraso quase atávico. Passados quase três séculos, perpassam na psique portuguesa sentimentos similares de frustração e impotência perante o desfile dos povos que nos vão lentamente ultrapassando.
A historiadora Fátima Bonifácio afirma que o "país é irreformável" nas atuais condições históricas. O Presidente da República distribui afetos, e vangloria as conquistas dos "portugueses especiais", puxando a locomotiva dos vencedores para que os vencidos desta vida portuguesa julguem que as possibilidades se mantêm. O primeiro-ministro gere a intendência do Estado em benefício da manutenção do poder e de preservar as prebendas aos correligionários e aos portugueses que interessam que se mantenham mansos na dependência do Estado. O líder da oposição oferece-se para que o regime se reforme, ninguém o compreende, e assim agrava a ideia de que o regime é irreformável.
De tantos diagnósticos feitos, os iluminados concluem como sairmos deste marasmo fétido, mas já não sabemos qual o melhor, porquê e para quê. As águas do pântano agitam-se quando o exterior recente (FMI e troika) invade Portugal com as suas propostas para mudarmos de vida. Do pedestal da política provinciana, falida e subversiva, arremessamos lições nos media do poder estabelecido ao mundo, com tiradas grotescas do que deveria a Europa dos ricos fazer para que o mundo fosse mais justo, apesar de perpetuarmos a injustiça de um país pobre. A pandemia revelou o pior de Portugal: que não confiamos uns nos outros, sem o Estado dar ordens. Se cumprir a Constituição para "abrir o caminho para o socialismo" for isto, deve estar a aproximar-se o momento de mudarmos deste socialismo ou desta Constituição.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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