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Queremos mesmo voltar aos anos 90?

É pena que a discussão sobre a visão estratégica de António Costa Silva tenha subestimado o papel do turismo. Ao fazê-lo subestimou o nosso passado recente e, com isso, a época mais bem-sucedida de Portugal no mundo.

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Não seria importante perceber porque é que o país entrou na moda? Que factores foram cruciais? Quem foram os responsáveis?

Nas mil e uma respostas a estas perguntas encontramos, além de pilhas de factos úteis, uma categoria de pessoas que serviu de tijolo à revolução e de quem antecipo que vamos ter muitas saudades: os empreendedores. Não pelo rótulo – é difícil encontrar palavra mais irritante e enfadonha, na verdade –, mas pelo significado. Empreendedores são por norma empresários atraídos pelo risco e pela incerteza, que se atiram de cabeça à ambição que têm e que vivem obcecados com tendências. Empresários como raramente se viu no Portugal pré-2010, mas em que se alicerçou grande parte do sucesso pós-2010, contra todas as expectativas dominantes.

Hoje, temos um problema. Por causa deste desastre natural que é a covid, muitos destes homens e mulheres que decidiram investir o que tinham (e não tinham) a mostrar o melhor de si e do país estão financeira e moralmente derrotados. Traumatizados. E isto, por mais estranho que pareça, pode ter o custo mais grave de todas as recessões: um regresso aos anos 90.

Convém lembrar que esses anos 90, aka “as Trevas”, foi quando todo o mundo disparou e Portugal ficou sentado. Prostrado e sem ideias. Quando só tinha palco e financiamento (salvo honrosas excepções) quem era apadrinhado por um grande grupo e um grande banco, de preferência ao mesmo tempo. E quando inovar era outra palavra para importar. Empreendedores genuínos, como víamos lá fora, arrojados e independentes, eram uma espécie exótica, daquelas que aparecia tão de vez em quando como o eclipse do Sol.

Hoje sabemos o que perdemos. Basta escolhermos à sorte um artigo publicado em qualquer revista ou jornal de referência internacional durante os últimos cinco anos, sobre Lisboa ou sobre o Porto, e o que encontramos é um texto invariavelmente elogioso, daqueles que nos ajudou a entrar no mapa das tendências mundiais. Mas de que falam eles? De que projectos, negócios, e marcas em concreto falam todos estes artigos e posts? Acertou.

Sejamos honestos: foram os negócios destes empreendedores o que mais ajudou a promover o interesse nas nossas cidades. E depois disso foram as cidades que ajudaram a catapultar o interesse no resto do país. E finalmente, foi esse interesse internacional que explica tudo de bom que nos aconteceu.

Por isso é tão fundamental reanimar estas pessoas. Dar-lhes ânimo e os meios de que precisam para voltar aos negócios quanto antes e participar na grande recuperação do país.

Começando por garantir que os fundos europeus que vão para o sector privado são para eles, primordialmente, para as suas ideias e para os seus projectos, e não, nunca, para os suspeitos do costume: o sector privado mais antigo e calcificado, que nos últimos anos não trouxe rigorosamente nada a não ser inércia, falta de arrojo e de energia.

O grande desafio de quem nos governa é este. Não compro o discurso do Estado-bicho-papão de fundos. O Estado, ao contrário do que nos querem convencer os militantes mais ideológicos, vai mesmo ser fundamental nesta fase. Daquilo que eu tenho medo é dos papões do sector privado, os velhos do Restelo, que hoje moram invariavelmente nos grandes grupos e que tudo farão para perpetuar a sua existência forçada. É preciso dar oportunidade a quem fez mais pela imagem do nosso país.

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