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E o turismo, senhores?

O tema do aeroporto, por exemplo, não se esgota na localização. Como recebemos as pessoas, com que rapidez e dignidade, como as dirigimos e informamos, tudo isso importa debater.

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Prometia ser o tema da campanha e acabou totalmente esquecido. À parte de uma ou outra incursão no assunto, daquelas que estavam planeadas há meses e pareceria mal cancelar, não houve um único debate, comício ou acção de peso que se tenha focado no turismo. Não é estranho? Há meia dúzia de semanas estávamos a caminho do Armagedão. Resmas de artigos, posts inflamados, prós e contras intermináveis alertavam-nos para o fim anunciado da portugalidade às mãos dessa gente vulgar, mais os seus barcos e tuk-tuks abomináveis. Era uma causa nacional, fatídica. De repente nada. Nem uma palavra de ordem. Porquê?

 

Pragmatismo. As eleições têm essa grande vantagem, separam o trigo do joio. Obrigam a agenda mediática a focar-se  na realidade e a ignorar o entretenimento dos temas de nicho. Acaba o tempo de antena para as alas caviar, tanto à esquerda como à direita, começa o reinado do que afecta o nosso bolso, como os impostos, ou os nossos filhos, como a educação.

 

Há espaço para excepções, claro, mas este ano, graças ao trabalho do PAN, é bastante óbvio quem ocupou esse espaço. Pode ser que o turismo seja o ambiente de 2023, ninguém adivinha, mas este ano perdeu a carruagem. E sendo política, não aconteceu por acaso.

 

O leitor não sabe, porque a imprensa não tem acesso, mas o debate mais interessante das campanhas eleitorais é o que se realiza dentro dos partidos, antes das campanhas, quando se definem bandeiras e estratégias. Quase todas as estruturas partidárias fazem essa discussão com base em dados factuais: sondagens, estudos e consultas. Tudo depende do orçamento, claro, mas é aí que se escolhem os cavalos de batalha. Ora foi também aí, aposto, que a bola bateu na trave. Turismo? O povo gosta.

 

Custará muito a muita gente, mas o que estes inquéritos mostram é que os nossos eleitores são pessoas de bom senso. Não precisam de explicações para perceber que o que aconteceu nos últimos anos não foi acaso nem milagre e que entre as pessoas que mais nos ajudaram a chegar onde chegámos estão as que andam com um mapa no bolso. É o que é. Ninguém parece insultado ou assustado.

 

O pior desta realidade é passarmos ao lado de uma discussão fundamental. O tema do aeroporto, por exemplo, não se esgota na localização. Como recebemos as pessoas, com que rapidez e dignidade, como as dirigimos e informamos, tudo isso importa debater. Bem como todo o sistema de mobilidade que afecta os visitantes, incluindo o acesso (inexistente) aos grandes investimentos que se estão a fazer no Alentejo litoral e as famosas "portagens secretas", como os espanhóis chamam às nossas portagens electrónicas.

 

E que infra-estruturas precisamos? Quanto deve o Estado investir nas atracções culturais do país cuja procura, nos últimos anos, se multiplicou duas, cinco e dez vezes? O interior precisa de receber parte deste fluxo de visitantes, como disseram quase todos os candidatos nas breves conversas sobre o tema, mas tem condições para isso? Podemo-nos dar ao luxo de enviar dezenas de milhares de pessoas para sítios que não têm hospitais a menos de duas horas de distância e com serviços públicos dimensionados para algumas centenas de pessoas? Uma revolução como a que estamos a viver levanta dezenas de desafios que, para não se tornarem problemas, têm de ser discutidos a nível nacional.

 

Também há, no entanto, um lado positivo deste esquecimento. Finalmente, e sem grandes dúvidas, temos a prova de que quando se fala de turismo a opinião pública e publicada não coincidem. A publicada andou a discutir o sexo dos anjos durante meses e meses a fio apenas com ódio e sangue nos dentes; a pública deixou a caravana passar e fingiu entreter-se com o fetiche da "inteligentzia". Mas jamais aceitaria que lhe comprometessem a economia. Nem o futuro dos filhos. Não somos o Reino Unido, não brincamos aos Exits. 

 

Presidente e diretor criativo do Time Out Market

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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