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Um país onde a justiça trai as crianças

Uma criança confia numa juíza, que lhe garante sigilo. A conversa é capa de revistas. Que País é este onde a Justiça trai e ataca, sem que ninguém diga nada?

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Esqueça que a criança se chama Dinis e que tem por apelido Carrilho. Deixe de lado a opinião que tem sobre Bárbara Guimarães ou Manuel Maria Carrilho. Por momentos, feche os olhos e imagine que é seu filho. Tem 12 anos e é seu filho. Vá lá, não faça batota, não comece a distrair a sua angústia com um "Ah, mas se a criança fosse minha, não estava numa situação daquelas", e muito menos se escude atrás do "Estes meninos não são como aos nossos!".

 

Concentrou-se de novo? Obrigada. Então passe à fase seguinte. Imagine que está num processo de regulação de responsabilidades parentais, e o juiz decide que quer ouvir o seu filho. Hesita, pergunta se será boa ideia, tem medo de que se sinta dividido, a trair o pai ou a mãe com as suas afirmações, que mais tarde se julgue responsável pelos desgostos e agressões que possam vir a acontecer entre os seus pais.

 

O juiz rebate os seus protestos e insiste em ouvi-lo. Assegura que precisa do depoimento da criança, mas garante, também, que aquilo que a criança lhe disser será guardado no mais escrupuloso segredo. 

 

Em casa, você repete ao seu filho todas as garantias que lhe foram dadas. Diz-lhe: "Podes dizer o que quiseres, falar do que sentes, ninguém, nem mesmo a mãe e o pai vão saber o que desabafaste ali dentro."

 

No dia da audiência vê-o entrar na sala de coração pesado. Mas confia. Está num tribunal. E o tribunal deu-lhe palavra de honra.

 

Sabe que lá dentro estão apenas três pessoas. Um juiz, um representante do Ministério Público e um representante do Instituto de Medicina Legal. Nem os advogados das partes entram.

 

Sabe que voltarão a jurar ao seu filho que pode falar à vontade. Que pode confiar. Que o que for dito ali dentro daquelas paredes não sai dali.  Sabe que lhe explicarão que aquela é a Casa da Justiça, que ali os seus direitos estão acima de todos os outros, e serão sempre respeitados. Durante mais de uma hora a conversa decorre à porta fechada.

 

Volte, agora, a recordar-se de que é do seu filho que se trata. E que é o seu filho que no dia seguinte sai para a escola e passa no quiosque e vê em capas de revista "X arrasada pelo filho em tribunal" ,"A minha mãe bebe muito", "Quero ir viver com o meu pai". E depois uma outra "Saiba tudo o que a criança disse em tribunal!". E que é o seu filho que liga a televisão e vê, em direto, gente a discutir acerca do que ele, supostamente, confessou à porta fechada: "Ele diz que a mãe é mentirosa",  comenta uma, "Ah pois, e que é tanto o fumo que nem se vê nada lá em casa!", diz um outro...

 

Já está em taquicardia?  Eu estou. Furiosa, indignada, de cabeça perdida. O que aconteceu na semana passada, em Portugal, foi um crime contra um pequeno Dinis, mas também um crime contra todas as nossas crianças. Um crime cometido pela própria justiça contra os mais frágeis e desprotegidos.

 

E ouviu uma explicação, um gesto de repúdio por parte da Procuradoria-geral da República,  da Comissão de Proteção de Menores e, claro, da própria juíza do processo?  E já agora, viu alguém dizer que ia procurar e encontrar o culpado? Três pessoas numa sala, e uma gravação, e ninguém consegue saber quem foi?!?

 

É claro que as afirmações atribuídas ao Dinis podem ter sido fabricadas, numa fuga simulada ao segredo de justiça, mas não é esse um crime também? Um crime irremediável de que as autoridades se tornam cúmplices com o seu silêncio.

 

Por fim: não, não estou a limpar a água do capote dos jornalistas. Com sanções ou sem sanções, deviam ter a correção moral de não ser agentes de "bullying" contra crianças, num vale-tudo desprezível. Que infelizmente não terá ficado por aqui. Pela minha parte, espero que entretanto alguém acorde. Mais vale tarde do que nunca.

 

Jornalista

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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