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Dois tribunais para uma mesma família

Que sentido faz decidir responsabilidades parentais esquecendo um processo de violência doméstica? Quer resulte em condenação ou absolvição, há consequências a retirar.

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Na próxima semana, a acusação de violência doméstica contra Manuel Maria Carrilho promete voltar a tribunal. 

 

Um processo que decorre no Tribunal de Instrução Criminal. Simultaneamente decorre no Tribunal de Família um outro processo, com os mesmos intervenientes, em que um juiz vai ter a difícil missão de decidir quem fica com a "guarda" dos filhos.

 

A exposição mediática destes casos só tem uma vantagem: permitir que quem, felizmente, anda arredado destas coisas entenda melhor os absurdos (e abusos) que todos os dias acontecem a muitas famílias.

 

Que sentido fará se, por hipótese, no Tribunal Penal se decidir pela culpa do arguido, e no de Família se decretar que o pai é a pessoa mais indicada para ficar com os filhos? Ou, caso as acusações não sejam provadas, fica tudo igual para uma mãe que "fabricou" uma acusação tão grave contra o pai dos seus filhos? E que lógica tem, no limite, entregar as responsabilidades parentais a alguém condenado a prisão efetiva? Vai com o progenitor para a prisão, ou nesse caso o Tribunal de Família revoga a decisão, e indemniza a outra parte e as crianças?

 

Mesmo falando apenas do momento antes de uma condenação/absolvição, porque o verdadeiro escândalo começa quando o Tribunal de Família desconhece ou não retira consequências das condenações, as questões não acabam aqui: o mais correto, aparentemente, seria que a decisão do Tribunal de Família não acontecesse antes de um veredicto no processo de violência doméstica. Contudo, na prática, esta decisão poderia penalizar gravemente o progenitor que se viesse a provar inocente. Podendo, inclusivamente, alegam alguns, transformar-se numa arma para que um afastasse os filhos do outro.

 

Mas se mudar procedimentos não é fácil, e preconceitos ainda menos, também é verdade que em países, como aqui ao lado em Espanha, os casos de violência doméstica são já avaliados num "Julgado" próprio, que tem competências para decidir também questões de divórcio, tutela dos filhos, pensões de alimentos, e todas as outras questões relacionadas com a família ("Ley Orgánica 1/2004, de 28 de diciembre, artigo 44.º").

 

Em Portugal, quem entende muito destas matérias considera que eventualmente poderiam correr nos Tribunais de Família - não havendo juízes especialistas, não há impedimento a que um juiz de família julgue crime. Chegando a decisões mais justas, na certeza de que a verdadeira justiça é aquela que consegue atender ao caso que tem pela frente.

 

O que não podem é continuar a acontecer casos como aquele, em Fevereiro deste ano, em que o Tribunal de Cascais entregou a guarda provisórias das duas filhas a um pai a quem o tribunal impôs o uso de pulseira electrónica para que não se aproximasse da ex-companheira, ou o de uma mãe confinada com os seus filhos a uma casa de abrigo pelo TIC, que viu o agressor bater-lhe à porta para vir buscar os filhos para o fim-de-semana, por ordem do Tribunal de Família, que lhe cedeu a morada secreta.

 

Até porque Portugal assinou a Convenção de Istambul que deixa claro que o tribunal não deve permitir responsabilidades parentais partilhadas quando uma das partes foi condenada por violência doméstica, podendo mesmo privar o agressor do contacto com os filhos. Condenado em tribunal, não é nos jornais, entenda-se. A par, devia igualmente pôr-se fim à impunidade de quem difama sem fundamento.

 

Jornalista

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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