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A era de credulidade

Na suposta era da informação, as teorias da conspiração espalham-se nas redes sociais como fogo. A má notícia é que os desmentidos não fazem mais do que reforçar a sua força, diz o cientista Walter Quattrociocchi.

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Um título de capa da revista Scientific American prometia explicar porque é que as teorias da conspiração se multiplicam nas redes sociais e o que pode ser feito para combatê-las. Comecei a passar as páginas ansiosamente: será que finalmente alguém, algures, num qualquer laboratório tinha desvendando o porquê do entusiasmo que tanta gente demonstra por todas as explicações que envolvam "mão criminosa", dos incêndios aos supostos males das vacinas? E, melhor ainda, descoberto um antídoto.

 

Infelizmente, o artigo de Walter Quattrociocchi, coordenador do laboratório de sociologia computacional na IMT, School for Advanced Studies Lucca, em Itália, é tudo menos optimista. Há décadas que a sua equipa investiga a origem, produção e divulgação de narrativas online, e a forma como se espalham de forma viral. Tempo suficiente para não ter dúvidas de que face a assuntos complexos, as pessoas de todos os níveis educacionais, note-se, escolhem acreditar em explicações compactas e que identifiquem um objeto de culpa. Por outras palavras, aceitam facilmente trocar a verdade pela satisfação de um bode expiatório.

 

Da análise do comportamento de milhões de utilizadores de redes como o facebook e o twitter, tanto em Itália como nos Estados Unidos, Quattrociocchi conclui que a maioria das pessoas trata de igual forma a informação que provém de um jornal de referência, de um estudo científico credível ou de fonte alternativa. Basicamente, porque o importante é se vem, ou não, ao encontro das suas crenças pré-existentes. Acreditamos, antes de mais, no que queremos acreditar.

 

Aliás, quando compararam o comportamento online dos utilizadores que liam notícias com origem numa instituição científica que dava a cara, com aqueles que habitualmente seguiam teorias da conspiração, confirmaram que o segundo grupo aceita pacificamente a omissão da fonte, justificando-a com o facto de ser "secreta".

 

Do estudo que envolveu 55 milhões de pessoas, clarificaram ainda que habitualmente os grupos são estanques, mas que aqueles que "traficavam em conspiração" atraíam três vezes mais utilizadores. E utilizadores militantes, o que se entende: convencidos de que as forças do mal querem esconder aquela informação, quixotescamente empenham-se em divulga-la.

 

Quattrociocchi escreve: "Quanto mais se está exposto a certo tipo de narrativa, maior é a probabilidade de que os amigos do Facebook tenham as mesma preferências. O que leva a uma divisão dos utilizadores em grupos homogéneos, o que é fundamental para perceber a natureza viral do fenómeno. Esses grupos tendem a excluir tudo o que não caiba na sua forma de ver o mundo. " O resultado é a polarização e o extremar de posições.

 

Dai à conclusão seguinte vai um passo. Quando a equipa de investigadores testou a eficácia dos "desmentidos", concluiu que não só não funcionavam como, mais grave, pareciam reforçar a crença na conspiração.

 

E eu que ia em busca de antídotos! Walter Quattrociocchi termina o artigo a dizer que tão depressa não nos livramos de uma internet feita câmara de eco de teorias da conspiração mega-globais. E o leitor, não pode deixar de concordar quando o investigador conclui que, pelo menos devíamos ter vergonha de não nos andarmos por ai a gabar de vivermos na "era da informação", e da "inteligência coletiva", porque mais lhe parece o regresso a um pensamento medieval, em que há sempre uma divindade (ou um eucalipto!) responsável por cada tempestade. Como o próprio conclui, fazia mais sentido chamar-lhe a Era da Credulidade. Mas é claro que tudo isto pode não passar de uma conspiração.

 

Jornalista

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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