Opinião
Reflexões sobre a revolução em França (III)
Sempre que aparece um político novo, cativante e com tendência para a moderação, é certo que será criticado por ser um produto de marketing, um tipo vulgar e intelectualmente frágil.
Emmanuel Macron é vítima do mesmo preconceito, o que diz muito sobre como esse género de discurso antipolítica - ele sim verdadeiramente trivial e rasteiro - entrou já em piloto automático.
Macron tem muito que explicar e muito que provar. Mas em campanha já mostrou que não é um mero reclame publicitário.
Basta ver a forma generosa como se bateu por uma actualização liberal de França - o país europeu coqueluche da hostilidade intelectual e popular às políticas centradas no mercado livre. E como, exercendo a sua própria liberdade de iniciativa, criou um novo movimento e destruiu o Partido Socialista, força estruturante do regime, para chegar com 39 anos à Presidência da República.
Quando muitos o avisavam de que na segunda volta das eleições devia moderar os ímpetos liberais, Macron insistiu. Insistiu contra Le Pen, expondo toda a vacuidade da ladainha nacionalista, uma mistura de ataques de carácter, xenofobia latente e socialismo tardio mal-amanhado (para parecer "patriotismo"). Mas insistiu igualmente contra a esquerda, lembrando que também o socialismo de Mélenchon (e Hamon) está nos antípodas do seu programa.
Macron provou com isso não ser um político de consensos? Pelo contrário: provou que o único consenso que lhe interessa é o consenso que interessa a França, o que une os liberais de centro, de direita e aqueles (poucos) que ainda sobram nos escombros do Partido Socialista.
Arriscou uma derrota? Pelos vistos, não. E, de resto, de que valeria a Macron vencer as eleições se tivesse de ser procurador da esquerda retrógrada? Mélenchon farta-se de criticar a "monarquia presidencial", mas ele é que parece andar com o rei na barriga.
Macron fez bem em não aceitar essa arrogância insuportável. Até porque com isso deixou à vista a real natureza da esquerda francesa: de cada vez que esta o atacava, percebia-se que as críticas eram basicamente as mesmas de Marine Le Pen. A esquerda não teve dificuldade em apoiar Macron apenas por ter sido vítima do seu desprezo ideológico e estratégico: o que baralhou a esquerda, o que fez curto-circuito no seu discurso, foi o facto de, do ponto de vista económico, ser Le Pen que parecia o mal menor. Como apoiar Macron se era a sua adversária que dizia aquilo em que acreditamos? Em Le Pen a esquerda viu-se ao espelho - e ficou perplexa.
Podemos discordar de muito do que Emmanuel Macron defende. Podemos achar que é pueril, superficial e temerário em alguns aspectos (a União Europeia, por exemplo). Que teve sorte com os escândalos que inviabilizaram a vitória quase certa de François Fillon. Podemos apostar que será uma desilusão, como os antecessores. Que só pôde ser irredutivelmente liberal até ao fim da campanha porque muitos dos que o detestam acabariam sempre por votar nele, "em defesa da República". Podemos suspeitar que, lá no fundo, a França do costume teme o seu reformismo e tratará de o rejeitar.
Sou capaz de aceitar tudo isso. No entanto, é necessária estar-se demasiado desiludido (ou demasiado iludido) com a política para achar que Macron é só um vulgar produto de marketing.
Da minha parte, desejo-lhe sorte. Bem vai precisar. Seja para reformar o que quer reformar seja para que, pelo menos, a previsível frustração não dê com ele em doido.
Advogado