Opinião
Brexit: ainda vai haver (muito) mais confusão
Segundo um provérbio inglês, "you can’t have your cake and eat it". Ou seja, não se pode comer um bolo e continuar a ter esse bolo. É o equivalente ao nosso "não se pode ter sol na eira e chuva no nabal".
Sobre isso, Boris Johnson disse um dia que "my policy on cake is pro-having it and pro-eating it" ("a minha política relativamente ao sol na eira ou chuva no nabal é favorável a ter sol na eira e chuva no nabal"). É a frase mais conhecida de Boris, porque simboliza a sua maior fragilidade: a ambiguidade, o desejo de não ter de fazer escolhas, a tendência oportunista de querer agradar a todos.
Não deixa de ser surpreendente, portanto, que Boris se tenha deixado transformar por Dominic Cummings, o seu assessor todo-poderoso, no político agressivamente divisionista das últimas semanas, em vez de ser o líder indeciso (para dizer o pior) ou agregador (para dizer o melhor) que o seu perfil psicológico deixaria antever.
Mas a psicologia de pouco vale para compreender as actuais zaragatas políticas na ilha. Aquilo que os partidos decidem defender sobre o tema Brexit varia consoante os ganhos eleitorais que acham que podem obter. O Brexit está ao serviço das estratégias dos partidos; não são as estratégias dos partidos que estão ao serviço de uma solução para o Brexit.
A incapacidade de o governo Conservador cumprir o resultado do referendo de 2016 está a atirar o eleitorado a favor da saída da UE para o Brexit Party de Farage. Daí que a única preocupação de Boris Johnson seja ir rapidamente para eleições e recuperar a maioria perdida por May em 2017. Coisa que só poderá conseguir se concentrar o voto pró-Brexit (e o eleitorado contrário à saída se dispersar pelos restantes partidos).
Foi isso que o fez elevar a retórica sobre a possibilidade da saída sem acordo. Essa é uma arma para convencer o eleitorado de que está a falar a sério. Boris não quer uma maioria para conseguir o "no deal"; quer a ameaça do "no deal" para conseguir uma maioria.
Essa estratégia começou a dar resultados, segundo as sondagens de Agosto, pelo que a oposição se viu obrigada a responder, tomando controlo da agenda parlamentar para inutilizar as duas armas do governo: primeiro, o "no deal" (com a aprovação de uma lei); depois, as eleições (com o chumbo de uma lei).
Jeremy Corbyn, o líder trabalhista, passou três anos a clamar por eleições, enquanto sabia que não tinha maioria para tal. Agora é ele próprio a bloquear esse caminho. Porquê? Em primeiro lugar, porque tem medo de perder as eleições (as sondagens dão o Labour longe de ser o partido mais votado). Em segundo lugar, porque também tem medo de as vencer.
Corbyn, como boa parte da militância e do eleitorado trabalhista, foi a favor do Brexit. Aquilo em que ideologicamente acredita, e aquele que é o seu projeto para o Reino Unido, são realidades incompatíveis com a pertença à União, que é por desígnio contrária aos princípios isolacionistas e protecionistas que animam o pós-Blair/Brown.
No entanto, Corbyn nunca quis ser ele a sofrer o desgaste do processo de saída. Pelo contrário, sempre quis chegar ao poder depois do Brexit, por cima dos escombros dos Conservadores, já livre das regras europeias, para aplicar à vontade o seu programa.
As contas estão a sair furadas a ambos os lados. Por um lado, o governo perdeu o controlo do Parlamento e está moribundo. Por outro, os trabalhistas já perceberam que o impasse é tal que não vão poder adiar por muito mais tempo as eleições. E nesse caso ficarão entalados entre as duas hipóteses indesejáveis: ou serem derrotados; ou herdarem o odioso político do Brexit.
Enquanto não houver eleições, tudo o que não for eleições só trará mais complexidade ao processo. E quanto maior for a complexidade, maior será a dispersão de votos. Portanto, quanto mais tarde forem as eleições, menos elas serão uma solução clarificadora.
Aliás, isso já se vê nas sondagens, com a recuperação de Farage, o crescimento dos independentistas da Escócia. O que, neste momento, indicia que o próximo Parlamento poderá estar bloqueado, incapaz de formar maiorias coerentes, com a direita dependente do nacionalismo inglês e a esquerda do nacionalismo escocês. Para já, só a incerteza é certa.