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05 de Julho de 2016 às 21:05

As sanções serão o menor dos nossos problemas

Na semana passada, a propósito do Brexit, defendi aqui que a falta de confiança na UE que vai crescendo no seio dos povos europeus resulta em muito da falta de preocupação em reverter o declínio económico do continente num mundo cada vez menos eurocêntrico.

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Um dia decidiu-se cuidar da edificação de uma ordem constitucional artificial, onde não há uma comunidade capaz de lhe dar suficiente substrato político, e a União vive hoje virada para dentro, cabisbaixa, concentrada na mera gestão quotidiana dos destroços daquela impossibilidade.

 

Assim, não será de admirar que em Portugal já não se olhe para a União com grande idealismo. Em rigor, olha-se a partir de uma discussão aparentemente bizantina sobre o incumprimento à tangente de metas orçamentais, e sobre as respectivas sanções. Em vez de um instrumento ao serviço das suas aspirações, é possível que para a maioria dos portugueses a União seja afinal, justa ou injustamente, apenas uma instância de disciplina e recriminação.

 

Se bem me lembro, o PS e os restantes partidos à sua esquerda formaram governo para remar contra esta maré. Por muito que se concorde com as políticas de consolidação da chamada "ortodoxia" europeia, seria de esperar que o Governo símbolo da antiausteridade se batesse contra as sanções invocando a necessidade de uma União mais solidária, mais flexível, capaz de equilibrar a prudência orçamental com o princípio democrático e a liberdade de iniciativa política dos governos nacionais. No entanto, o Governo português aproveitou a deixa das sanções para, essencialmente, atacar o legado do PSD e do CDS, acusando-os do incumprimento das metas para 2015.

 

Percebe-se a estratégia: a sobrevivência de um Governo minoritário, frágil, da segunda força mais votada, exige um constante processo de legitimação material por via da comparação com o passado. O problema é que, para atacar o anterior Governo nesta matéria, o PS não tem nem legitimidade nem razão.

 

A legitimidade falta-lhe porque, na oposição, o PS foi sempre contra a velocidade de consolidação com que entretanto alegadamente se passou a comprometer. Costa fez o seu programa eleitoral com base numa previsão de 3,2% de défice para 2015, sendo que só em 2017 se desceria abaixo dos 3%. É certo que aí alinhava com as previsões da Comissão Europeia, mas elas não lhe causavam excessivo desconforto: o PS conformava-se com a desnecessidade de esforços adicionais e com a manutenção do procedimento por défice excessivo, em nome da política alternativa de crescimento económico assente na recuperação de rendimentos.

 

Ou seja, a crítica que hoje o PS faz ao PSD e ao CDS é a de não terem cumprido aquilo que o próprio PS sempre defendeu que, patrioticamente, não deveria ser cumprido.

 

Mas o PS não tem, também, razão. Conforme é claro de todas as posições públicas dos responsáveis, as sanções não se deverão só ao cumprimento insuficiente do acordado para 2015, mas também - e em grande medida - às políticas de 2016, as quais, por muito que o Governo diga o contrário, implicaram uma desaceleração simultânea quer da consolidação orçamental quer da própria economia. Um falhanço em todas as frentes.

 

O que nos traz ao problema central de tudo isto. Com sanções ou não, a situação do país não está a melhorar, pelo contrário, e os investidores sabem lê-la na perfeição sem as lentes da Comissão ou do Eurogrupo. Havendo motivos para sanções, elas serão o menor dos nossos problemas.

 

Advogado

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