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Fernando Sobral - Jornalista fsobral@negocios.pt 19 de Novembro de 2017 às 20:30

O fogo e a água

Enquanto no confortável trono da sua vida citadina a elite nacional discute, enjoada, o Panteão, o resto do país vive dias dramáticos. A água tornou-se o nosso "petróleo verde" e é escassa.

Em Lisboa, claro, enquanto abre as torneiras e não falta a água, a elite esperneia por causa da "indignidade nacional". Nada que admire. O país esquecido, vergado pelo fogo e sedento, está lá longe. Solidariedade à parte, vai-se desertificando: de árvores, de pessoas, de animais, de vida própria. É por isso que um "choque fiscal" para o interior, de que se tem falado nos últimos dias, seja a oportunidade histórica para o Portugal que não vive nas grandes cidades do litoral. Mas isso não é suficiente: o interior precisa de mais Estado, de mais serviços públicos, da teia que faz com que possa atrair uma nova geração de pessoas. É isso que traz economia. Entre o excesso de fogo e a falta de água pode ser que a diletante elite nacional avance para uma mudança de paradigma para o interior de Portugal. Até porque, daqui a uns meses, quando a falta de água impedir que cheguem a Lisboa os inexistentes legumes frescos e a fruta da época, talvez a elite sinta o que se passa. Ou se, um dia, a água faltar nas torneiras da capital. A actual seca é uma metáfora cruel da desertificação do país.

 

Miguel de Unamuno, num conjunto de textos compilados como "Portugal, Povo de Suicidas", escrevia de forma a fazer-nos reflectir: "O povo português tem, como o galego, fama de ser um povo sofrido e resignado, que tudo suporta sem protestar, a não ser passivamente. E, no entanto, há que ter cuidado com povos como esses. A ira mais terrível é a dos mansos." O escritor espanhol, amigo de Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes, Manuel Laranjeira ou António Ferro, sabia do que fala. E as suas palavras fornecem o equilíbrio necessário para quem julga que o mundo vive da matemática perfeita e das teorias económicas infalíveis. Ou da altivez citadina sobre o que se passa no interior. A nossa desertificação também é cultural.

 

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