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08 de Fevereiro de 2018 às 20:10

Da inevitabilidade ao futuro

Vivemos tempos de espanto e de estilhaçar de certezas. Em Portugal e no mundo. Sobra tecnologia e falta reflexão. Talvez por isso a entrevista do general Ramalho Eanes, no passado sábado ao "Expresso", traga alguma claridade a estes tempos.

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As suas reflexões são estimulantes e poderiam ser o ponto de partida para muito debate político. Diz ele: "Olhando hoje para o país, há uma coisa muito interessante que se deve a este Governo. Tínhamos aceitado um pouco acriticamente o princípio da inevitabilidade, éramos um país pobre, tínhamos de continuar a sê-lo, tínhamos de continuar aí. Esse princípio da inevitabilidade foi posto em causa por esta solução política". Mas alerta: "O investimento continua extremamente baixo e as grandes reformas que são indispensáveis não foram feitas".

 

Soma-se a isso a natalidade baixíssima, a desertificação do interior, a saída dos mais afoitos para o estrangeiro. Estrangulamentos que colocam em causa qualquer futuro mais radioso. Estes são pontos de partida para um grande debate que continua a não se fazer em Portugal, onde a classe política continua a viver a reboque das redes sociais e de temas que dão um minuto de antena no telejornal das 8. Não admira que, como dizem alguns, vivamos um período de "grande recessão" democrática. Aqui e na Europa. O ressentimento cresce e não desaparece de um momento para o outro. Nas nossas sociedades existe um "pedido" de populismo contra tudo o que vai ruindo à volta dos cidadãos, a começar pela segurança e pelo futuro mais promissor.

 

Vivemos tempos contraditórios. Num mundo onde a maioria vive no limiar da pobreza, existem 700 milhões de pessoas que são obesas. Basta olhar para uma estatística: em 1960 o peso médio de um homem nos EUA era de 63,5 quilos. Hoje é de 88,5 quilos. Quando se vê a dieta de um líder como Donald Trump está tudo explicado sobre o mundo que se está a construir (e a destruir). Este tempo paradoxal pode ser definido também pelo lançamento para o espaço do Falcon Heavy de Elon Musk, o milionário proprietário dos carros Tesla. O festival, acompanhado acriticamente pelos media de todo o mundo, permitiu perceber que se inaugurou a "conquista privada do espaço", uma espécie de Velho Oeste do tempo dos cowboys e índios. Musk quer lançar o seu carro vermelho no caminho para Marte, para ele sobreviver no espaço durante milhões de anos (embora vozes mais agoirentas digam que só vai aguentar um anito).

 

O carro de 100 mil dólares que viajará pelo espaço exigiu um investimento de 90 milhões de dólares, dinheiro que hoje não existe para se fazer algo que minore os problemas de fome ou de falta de água ou de migrações ou de guerras que vemos a pulular pelo mundo. É tudo uma questão de proporções e de encanto. É certo que grande parte do império de Musk é financiado por subsídio, de milhares de milhões de dólares, do Estado americano, ou seja, dos contribuintes. Mas isso é irrelevante também nesta nova sociedade onde o fosso se vai alargando entre quem tem o conhecimento e os meios e os que não têm. E que são convencidos, cada vez mais, que têm de continuar a achar que é inevitável que continuem pobres.

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