Opinião
BE: que fazer?
A narrativa que o BE confeccionou de si próprio durante anos, digna de um pretenso "chef gourmet", causou uma indigestão.
O Bloco de Esquerda pode, pela primeira vez, olhar para o espelho como se fosse Alice a despedir-se do País das Maravilhas, pedir ajuda a Lenine e questionar-se: que fazer? Não é que o BE seja filho de Marx, de Trotsky ou de Mao. Porque não o é. O BE é, na sua fórmula de pudim flan, um fruto de Guy Debord e Antonio Gramsci. Um rebento que procurou, há muito, ser uma mercadoria da indústria do espectáculo profetizada pelo genial mestre do situacionismo: nesta nova idade do capitalismo não compramos produtos, mas sim experiências. E a de pretenso revolucionário vende-se como poucas. Mas, a isso, o BE conseguiu em poucos anos aliar uma tese distorcida de Gramsci: busca a hegemonia política e cultural na sociedade portuguesa. Até agora tem corrido bem, porque o BE está com um pé no poder (só espera que o PS necessite dele após as próximas eleições para mostrar as suas novas vestes nos corredores de São Bento), outro nas televisões (como provam os seus "comentadores" que ali debitam discurso) e um outro no Banco de Portugal. Na sequência do que dizia o seu amigo Pablo Iglesias, a hegemonia cultural e política conquista-se na televisão e não no Parlamento ou nas redes sociais. Com espírito de missão, o BE é hoje hegemónico no pensamento ideológico daquilo que costumamos definir como esquerda nos media. É, de resto, o único contraponto à "nova direita", que ocupa o outro campo de pensamento.
Não admira a crítica severa de Catarina Martins aos media porque destaparam os telhados do BE. Pela primeira vez choveu dentro de casa do BE. O seu partido, no seu espírito diletante pós-moderno, gosta de gritar um discurso de superioridade moral face a todos os outros. Mas agora foi apanhado pelo bumerangue dos seus intentos, como demonstrou, de forma genial, Jerónimo de Sousa quando disse que está na política para "servir os interesses dos trabalhadores e do povo e não para me servir a mim próprio". A narrativa que o BE confeccionou de si próprio durante anos, digna de um pretenso "chef gourmet", causou uma indigestão.
Grande repórter