Opinião
Arrufos de pombos
Nos últimos dias, a classe política parece um Don Juan anedótico. A sua paixão pela dama Função Pública é semelhante à de Tarzan por Jane, quando aquele, devido ao ritmo do coração, se esqueceu de agarrar numa liana e caiu no solo.
Até quem nos últimos anos fez os possíveis e os impossíveis por denegrir professores e pessoal hospitalar, escreve agora cartas apaixonadas aos funcionários do Estado, pedindo aumentos salariais para todos. Sabe-se que as eleições de 2019 destapam a hipocrisia. E que o contingente de votantes da Função Pública pode garantir uma vitória, mas é chocante assistir a este desfile de dislates. Nada que nos admire: como escreveu há muitos anos Guy Debord, estamos em plena sociedade do espectáculo. O que, numa sociedade moderna, se caracteriza por uma imensa acumulação de espectáculos. É preciso criar doses crescentes de emoções fortes para manter o espectador atento. Só que assim as futilidades do discurso político flutuam, como lixo plástico nos oceanos.
Agora que o PSD volta a estar em pé de guerra e Rui Rio continua a dar tiros nos pés (o Conselho Estratégico do PSD é um filme a preto e branco na era da televisão a cores), começa a ser demasiado benévolo dizer que a política está em crise. É melhor dizer que a política está ausente dos dirigentes e dos partidos. Eclipsou-se. O Parlamento é um teatro vazio e os partidos vivem de futilidades e de egos. Ao fugir do político, a política refugiou-se no espectáculo. E, nisso, Assunção Cristas bate todos. As frases são triviais e vazias, porque deixaram de reflectir o real: quando o salário mínimo português é inferior inclusivamente ao da Grécia e a ideia de convergência com a Europa é um mito, o que se deseja mesmo para este país? Não há um imaginário nacional, excepto limitar o défice e reduzir a dívida. O resto é folclore. E os impulsos de momento, como o namoro com a Função Pública, são arrufos de pombos. Que só desejam votos no próximo ano.
Grande repórter