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17 de Novembro de 2016 às 20:25

A triste sina da cidade global

No meio da euforia da Websummit deparamo-nos com o adiamento, aparentemente devido a falta de dinheiro, da exposição "A Cidade Global - Lisboa do Renascimento", que deveria ser inaugurada no Museu Nacional de Arte Antiga este mês.

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São as duas faces da realidade, como é típico em Portugal. Vamos assim ter de esperar mais uns meses para podermos ver de perto o quadro (descoberto em Londres em 2009) daquilo que seria o ex-libris de Lisboa em inícios do século XVII, a Rua Nova dos Mercadores. Quando a capital portuguesa era um dos expoentes da Europa, motivada pela riqueza das especiarias que vinham do Oriente, parecia iluminada pelo futuro sem fim. Foi um dos momentos de glória que ciclicamente caem sobre Portugal. Há poucos dias, a propósito do "futuro" de Portugal, Miguel Real falava destes ciclos que parecem colocar o país nos píncaros antes de chocar com a terrível realidade. Aqueles momentos em que, ao contrário do que cantava Camões na "Ilha dos Amores", os portugueses não se tornavam deuses mas tiveram de se confrontar com o seu triste destino.

 

Tem sido sempre assim. O esbanjamento de riqueza em determinados momentos tem sido a norma. Basta pensar no ciclo das especiarias ou no do ouro do Brasil. Este último caso é flagrante da confrangedora mediocridade das elites que têm governado este país. Durante a primeira metade do século XVIII o país foi inundado com uma riqueza descomunal que serviu sobretudo para passos de dança ostentatórios (do Mosteiro de Mafra à celebre Ópera do Tejo, a mais rica da época, e que durou apenas seis meses, destruída pelo terramoto de 1755), enquanto não se gastou um real em fazer estradas (para ir a Coimbra ia-se de barco), hospitais ou escolas. A população portuguesa até muito tarde foi das mais iletradas da Europa. Isto para já não falar da incapacidade estratégica para industrializar ou desenvolver o país numa altura onde não faltavam recursos. As ideias do 3.º Conde da Ericeira (no século XVII) ou, depois, do Marquês de Pombal, foram sempre torpedeadas por quem preferir importar a produzir. Quem ganhou foi a Inglaterra: muita da sua revolução industrial foi financiada pelo ouro brasileiro. Enquanto isso íamos alegremente torrando a riqueza em consumo variado.

 

Ao longo dos séculos, e exceptuando momentos pontuais, fomos vivendo de empréstimos externos, pagando juros altos que impediram a acumulação de qualquer valor para investir. Olhamos olhos à volta e o que vemos: uma sociedade sem capital, dependente do investimento externo e cercada pelo serviço da dívida. À mercê de Berlim e de Bruxelas ou do FMI ou de uma agência de "rating". Nada aprendemos, o que não deixa de ser vergonhoso e sufocante. A cidade global que Lisboa poderia ter sido, e um país que poderia ser um oásis de criatividade e de tráfego comercial e cultural, tem-se sistematicamente afogado numa piscina controlada pelas suas elites. O estado actual do país, preso no curto prazo e mais uma vez sem um debate sério sobre o modelo de país que desejamos para o futuro, mostra que continuamos a não aprender. E a fazer fogos-de-artifício pontuais. Mas sem estratégia neste mundo de dúvidas.

 

Grande repórter

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