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Estratégia sem saída

Precisamos de uma estratégia económica que tenha a consistência capaz de gerar a confiança na recuperação económica. Isto significa ter como ponto de partida o facto de a economia se encontrar numa situação muito debilitada e inserida numa Europa que não vai crescer tão cedo.

É certo que o debate do "pós-troika" teve alguma utilidade para quem procurava evitar o debate sobre o "tempo da Troika". Mas ainda assim é um debate essencial e oportuno. Quer porque 2014 está mesmo aí ao virar da esquina e já é possível antever os dados mais importantes da situação económica. Quer porque com o fim do Programa termina o acesso ao financiamento institucional e é suposto que Portugal se financie autonomamente nos mercados. Mas sobretudo porque ele é bem revelador da insustentabilidade da estratégia económica em curso.


A visão do Governo para os próximos anos está expressa de forma clara no documento de Estratégia Orçamental 2013-2017 (DEO), que merece ser lido com atenção: já a partir do próximo ano a economia começará a crescer, fortemente puxada desde o início pelas exportações (+4,5%) e progressivamente pelo investimento (+2,5% em crescendo até +6,5%). Ao mesmo tempo teremos uma "austeridade em contínuo", com a redução do consumo público todos os anos até 2017 (média -2% ao ano), e o início da geração permanente de "superávits" primários muito significativos, que começarão em 0,3% em 2014 e atingirão os 4,2% do PIB (i.e, €7.200M !) em 2017. Em consequência a dívida pública ainda subirá para os 123,7% no próximo ano, mas começará a descer de forma rápida a partir de 2015, atingindo 115% em 2017 e 60% do PIB em 2037.

Nada disto tem credibilidade pois não adere a aspetos centrais da realidade: a austeridade prevista já para 2014 irá pôr em causa as metas do crescimento, do défice e da dívida; o consumo interno estará sempre limitado pelo ritmo de recuperação do emprego e pelo endividamento das famílias; a crise europeia (em particular em Espanha) não é meramente cíclica e impedirá por uns anos uma recuperação tão forte das exportações; a manutenção de elevados diferenciais nos financiamentos às empresas afirma-se como uma pesada e adicional desvantagem competitiva; não há um único elemento de dinâmica positiva ao nível de reformas para a melhoria da competitividade.

Porque razão define então o Governo a estratégia nos termos em que o faz? As razões são duas. A primeira resulta da aritmética. Assumir elevados crescimentos e "superávits" orçamentais impressionantes é a única forma de manter a aparência da sustentabilidade da dívida perante taxas de juro de 5% ou 6%, que são as que atualmente estão disponíveis no mercado. A segunda é política: decretar a saída formal da Troika e anunciar a "reconquista da soberania" tornou-se no único objetivo político que o Governo hoje persegue, arredada que está qualquer expectativa fundada de recuperação da economia ou até de consolidação orçamental. Em síntese, a actual política económica já não se funda na realidade nem ambiciona a recuperação. Destina-se simplesmente a manter as aparências de um caminho que falhou.

Ora manter esta situação não faz qualquer sentido. Precisamos de uma estratégia económica que tenha a consistência capaz de gerar a confiança na recuperação económica. Isto significa ter como ponto de partida o facto de a economia se encontrar numa situação muito debilitada e inserida numa Europa que não vai crescer tão cedo. E implica que ao mesmo tempo tenha a capacidade de inverter esse rumo. Pilares fundamentais desse caminho são: a necessidade de uma solução estrutural para a dívida, adequando os juros e as maturidades a crescimentos realistas; o abandono de políticas orçamentais pró-cíclicas em favor de reformas que limitem o crescimento automático de importantes rúbricas da despesa (nomeadamente social); a estabilização das expectativas dos agentes, através de um Acordo de Rendimentos de médio prazo abrangendo designadamente a evolução dos salários e a fiscalidade; a mobilização de todos os recursos disponíveis (p.ex. comunitários) em favor de factores críticos de competitividade (p.ex. qualificação e fiscalidade) e da sustentabilidade financeira; a negociação europeia de um quadro específico para a competitividade dos países periféricos.

Pretender o consenso político em torno de uma estratégia económica inviável é uma perda de tempo. Mas construir a solução política para uma que funcione é uma urgência.

* Economista. Deputado do PS

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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