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Fernando Ilharco 16 de Março de 2017 às 19:34

O populismo tem causa?

E se de um lado está o Papa Francisco, Malala, Ronaldo ou Nelson Mandela, do outro lado estão os demagogos, os populistas, os terroristas, os criminosos com tempo de antena, os actores das guerras sem fim.

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Hoje a imagem do mundo, como sugeriu Heidegger há décadas, "é o mundo feito imagem." Na Idade Média não havia outra imagem do mundo - não havia imagem do mundo. A realidade é imagética, tudo corre para ser imagem, como comentou Flusser, o poliglota checo-brasileiro. A política, a economia, a cultura, o desporto, a vida pessoal, tudo é a sua imagem, numa sincronia permanente de nova informação vinda de todo o lado.

 

Com todos ao mesmo tempo, mergulhados no mesmo como numa aldeia, vivemos no planeta inteiro, entretanto transformado num mundo de imagens - com Trump na Casa Branca, o terrorismo global, os vídeos virais, os escândalos e os sucessos instantâneos. A mudança, a surpresa e o extraordinário, acontecendo onde sempre aconteceram, em todo o lado, são hoje a superfície do mundo, enchendo os ecrãs dos smartphones, dos computadores e das televisões.

 

O ambiente das imagens é diferente do ambiente do texto. O texto, a matemática e a ciência estimulam o raciocínio, o distanciamento, a sequenciação e o progresso. A imagem não; ela é o tudo ao mesmo tempo, o voltar ao mesmo, o todo que envolve, emociona e comunica instintivamente. E é aqui que entra o populismo - uma consequência de uma realidade tornada torrente de imagens. Na sociedade da informação, as políticas dão lugar às imagens carismáticas, comentou McLuhan, o guru canadiano dos media.

 

O que causa o quê é sempre uma simplificação, uma maneira de pensar a complexidade do dia-a-dia. A linguagem primeiro, a cultura depois, a tecnologia a seguir, e os ecrãs hoje em dia são modos de simplificação da complexidade. Mas para algo se ganhar, outro algo se tem de perder. Na emocionalidade e na imediatividade das imagens perdeu-se a racionalidade e o distanciamento do texto.

 

Neste quadro imagético em variação constante o que capta a atenção são as imagens carismáticas, as cenas extravagantes e emocionadas, e não as propostas ponderadas, exigentes e racionais. Como há milhares de anos, antes da invenção da escrita, hoje de novo num apogeu de imagens, os heróis e os vilões têm livre curso. E se de um lado está o Papa Francisco, Malala, Ronaldo ou Nelson Mandela, do outro lado estão os demagogos, os populistas, os terroristas, os criminosos com tempo de antena, os actores das guerras sem fim.

 

A imagem é antipensamento, comentou Flusser radicalizando a questão. Como as palavras sugerem, imagem é imaginação, é magia. É instinto, imediatividade e generalização. É um ambiente propício à emergência de populismos.

 

Professor na Universidade Católica Portuguesa

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