Opinião
Portajar o futuro?
Uma imagem pode valer mais de mil palavras; um bom "business case", mais do que mil reivindicações. Desde a discussão do OE 2010 que autarcas e empresários do distrito de Castelo Branco (e não só) lutam pela diminuição do valor das portagens da A23.
Não é uma "birra". A A23 foi construída em cima da estrada nacional e não deixou à Beira Baixa alternativa rodoviária. De carro, ir e voltar à Covilhã, desde Lisboa, pode custar mais de 100 euros. É mais caro do que ir a Madrid de avião.
Os empresários locais vêem as suas margens mirrar. Os hotéis oferecem o equivalente à portagem (ex. em cada noite "weekend break" uma é de "portagens" oferecidas), as empresas pagam um sobrecusto de localização no interior e os salários dos trabalhadores locais também pagam a portagem. Pagam porque é evidente que não é só o fator capital que paga a portagem. Na voragem da austeridade o princípio do utilizador/pagador parece sacrossanto; contudo quem paga é a Beira Baixa. Ou baixa os preços, as margens e os salários ou não consegue atrair atividade económica. Não são os utilizadores quem verdadeiramente paga as portagens: são os beirões. Em quatro anos também pagou com emigração (menos 5% de população).
Mas vamos ao "business case" (real e em fase de decisão): uma empresa quer instalar uma fábrica no distrito de Castelo Branco; pode utilizar matéria-prima local e pode criar dezenas de postos de trabalho. O mercado doméstico pode pesar 50% e o remanescente para exportação para mercados europeus e da América do Norte e do Sul. Como a procura está no Litoral, todos os movimentos de abastecimento do mercado doméstico são feitos via rodoviária (assim como a ligação aos portos). Por cada camião pagará gasóleo e portagens. Com uma curiosidade: o quilómetro da A23 custará aproximadamente mais 25% do que cada quilómetro percorrido na A1. Este projeto pode ser feito na Beira Baixa; ou no Litoral, em particular no distrito de Aveiro, ou mais a sul no de Coimbra. O investidor já terá feito as contas: para fazer na Beira Baixa tem de retirar valor aos outros fatores: terra (pagar menos pelo terreno); trabalho (terá de pagar menos por hora de trabalho) e, claro, precisa de mais incentivos (financeiros e "quiçá" fiscais). E porquê? Porque o sobrecusto de transporte inerente à distância face à procura será incrementado de sobremaneira por uma portagem que não tem alternativa.
Perante esta decisão empresarial os atores públicos (continuam) a sublinhar a justiça do princípio do utilizador/pagador, mas esquecem que pagamos esse princípio com desemprego (e os inerentes subsídios), emigração, fecho de escolas, fecho de unidades de cuidados primários e com o sobrecusto das prestações e dos serviços de apoio à pobreza e à velhice. Velhice que vê os seus filhos e netos partir, ao mesmo tempo que regista o abandono do território e vive diariamente a ameaça da desertificação. Temos má despesa pública - mas necessária face às más opções -, gerada pelas medidas de contingência face à falta de oportunidades e de condições de exercer atividades económicas com mais rendibilidade e menos risco.
É evidente que nem tudo se resume às portagens da A23; mas estas são o espelho de decisões mal fundamentadas, sem análise do impacto regional, com vistas muito centradas nos resultados imediatos. As infraestruturas não trazem só por si desenvolvimento. Mas é difícil ter desenvolvimento sem infraestruturas e ligações externas. Chegou o momento de tomar uma decisão corajosa: baixar as portagens num quadro mais amplo de um programa de desenvolvimento do interior. Tal como o PS colocou no seu programa eleitoral. O Litoral e os contribuintes em geral vão, a prazo, agradecer.
Deputado do PS
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