Opinião
O OE16 e a balança de bens
É (quase) sempre assim: o aumento de rendimento das famílias contribui para o desequilíbrio da balança de bens. A ideia subjacente, fácil de replicar com plausibilidade, é a de que os portugueses tendem a utilizar o aumento de rendimento em produtos importados.
Como bem sublinha a UTAO na "Análise ao Esboço do Orçamento do Estado 2016" (p.10), "(…) a análise histórica tem mostrado uma elevada consistência entre ciclos de aumento do consumo privado e o aumento do peso dos bens duradouros, com maior peso de importações". Contudo, o consumo privado - pela análise realizada tendo por objeto o ano 2008 - incorpora menos importações (26%) por comparação com a FBCF (39%) e com as exportações (42%); e, adicionalmente, o consumo privado de bens duradouros incorpora mais importações (90%) do que de bens não duradouros (alimentares 57% e não alimentares 21% - p. 10).
Ora este aspeto é particularmente importante - sem prejuízo de outros considerandos de natureza política e social - quer para o desenvolvimento da política de rendimentos, quer ainda para a (re)distribuição do esforço fiscal. Primeiro, porque nem todas os estratos de rendimento consomem bens (e serviços) com o mesmo nível de conteúdo importado, e segundo, porque uma adequada política fiscal pode funcionar como uma "tarifa interna" que, com elasticidades positivas, resulta num elemento mitigador do efeito do aumento de rendimento sobre as importações (em particular de bens duradouros).
No caso da política de rendimentos, no OE16, a opção política foi a de um combate às desigualdades, com reforço das disponibilidades das famílias com menos recursos. Por isso, o OE16 repõe os mínimos sociais (CSI, RSI e repõe abono de família a muitos agregados familiares), assim como reduz a sobretaxa de forma progressiva. Esta opção, que também está presente na eliminação do quociente familiar e na introdução de uma dedução à coleta de 550 euros por descendente, permite focar o aumento de rendimentos nos agregados familiares com menor propensão ao consumo de bens duradouros, e por isso com menos impacto nas importações. Como bem nota a UTAO no suprarreferido documento (p. 11) - "(…) poderá encontrar-se alguma evidência de associação entre a diminuição da desigualdade e a diminuição do peso de bens duradouros, o que (poderá ser) justificado pelo aumento do consumo de bens não duradouros das famílias com mais baixo rendimento e maior propensão marginal a consumir". Quer isto dizer, uma política de rendimentos mais focada nos agregados familiares com menos recursos não tem o mesmo impacto que o aumento de rendimentos em famílias com mais recursos.
Se a esta opção política somarmos o efeito preço - pelo aumento do imposto sobre veículos, assim como sobre os combustíveis (um bem não duradouro, mas com forte componente importada) -, podemos construir uma solução onde o aumento de rendimentos tem um menor impacto sobre as importações, e por isso com menor contributo para as necessidades líquidas de financiamento da economia portuguesa (ou seja, menos dívida).
Se por efeito da política de rendimentos e de política fiscal reduzirmos as desigualdades, redistribuindo o esforço fiscal, podemos consolidar contas públicas, diminuir o peso da dívida (em % do PIB), com mais crescimento e emprego, mantendo, ainda assim, uma balança de bens e serviços com "superavit" (1,2% in "Relatório do OE16", p. 17), vamos no caminho certo. A política económica e orçamental é feita de escolhas. Há sempre alternativa.
Deputado do Partido Socialista
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