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[713.] Cervejas Sagres e Estrella 

Novas campanhas de duas marcas de cerveja distinguem-se pela linguagem para que remetem: Sagres apresenta uma espécie de mini-reportagens de televisão, enquanto Estrella optou por fazer cinema. Ambas as campanhas só fazem sentido pela sua dimensão internética.

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A campanha de Sagres revela, sob a superfície da mensagem, que quer (re)conquistar o consumidor jovem, muito visado pela concorrência, que o soube escolher como público-alvo há anos. Ao mesmo tempo que procura manter os públicos habituais da marca, como, noutro anúncio, o do futebol, a campanha transpira confiança na juventude portuguesa. Repetindo a "identidade nacional" que lhe é habitual, reorienta-a para os jovens. Fala em start-ups, mostra jovens empenhados e com êxito em diversas áreas. Eles vencem o derrotismo do graffiti gigante num prédio que diz "Portugal assim não vai longe" e, em conjunto, substituem-no por uma pintura de parede tipo "street art", baseada nas cores da bandeira nacional e na sua esfera armilar, com a frase "Ninguém Pára Portugal". O amarelo do escudo armilar toma forma de dois braços em círculo, uma das mãos agarrando uma garrafa de Sagres. Pormenor importante: o anúncio teve mesmo de rejeitar a chamada "reforma ortográfica", pois, se a usasse, teria uma mensagem de sentido oposto: "Ninguém para Portugal". O "acordo ortográfico" confirmaria que "Portugal assim não vai longe" e seria preciso estar fora daqui!

 

Neste anúncio de TV diz-se que "do desporto às artes, do empreendedorismo à inovação, nunca tivemos uma geração tão bem preparada". As caras dos exemplos mostrados entram depois no "escudo nacional" do logótipo da marca. O slogan reaparece, mas alterado: "Ninguém nos pára." É um aviso à concorrência, pois a frase deixa de aplicar-se (apenas) a "nós", os portugueses, estendendo-se agora à própria marca, cujo logótipo e nome aparecem por cima. A ligação é total na voz-off e nas legendas: "Sagres. Ninguém nos pára." De novo a marca teve de mandar a "reforma ortográfica" às urtigas.

 

O remo que à concorrência surge também nos rótulos das garrafas, em que foi acrescentado "Desde 1940". Dado que a actual campanha de Super Bock se centra nos seus 90 anos, Sagres teve de puxar pelos galões da idade, pois a velhice da concorrente enquanto marca portuguesa ameaça a identificação nacional de Sagres. Segue um estereótipo: quanto mais velho, mais português. Apesar da diferença de idades, Sagres acrescentou a data da sua criação, pois para um público jovem ter nascido em 1927 ou em 1940 é basicamente o mesmo.

 

O anúncio de TV remete para as mini-reportagens em linguagem televisiva sobre os jovens concretos que são superactivos e fantásticos. Já a estrangeira Estrella atirou-se em grande ao cinema. O seu último "filme" terá tido grande orçamento, mas não chegaria para passar os seus 16 minutos - dos quais 2'30 só para a ficha técnica - em espaços comerciais na TV e cinemas. O actor francês faz de actor tipo James Bond. A música é uma paródia do tema de 007. Ele bloqueia numa deixa importante, tendo de ficar quatro dias no local (Maiorca). A partir daí, o argumento é uma variante de "Melhor É Impossível": um velho petulante e antipático que aprende com uma mulher muito mais jovem a importância dos "pequenos detalhes da vida". Um deles é a cerveja - ele começa a mudar desde que bebe a primeira. Estrella vai acompanhando-o na descoberta do que é bom neste mundo. A frase sobre esses detalhes acaba por ser a solução para a deixa em que o actor embatucava.

 

Nos anúncios como se reportagens, disponíveis na Internet, Sagres não faz parte do conteúdo, servindo apenas como moldura final. No anúncio como se filme de Estrella, a cerveja é um adereço visual, manipulado amiúde pelos actores, mas nunca referido por palavras.

 

A mescla de linguagens avança a passo firme. Nestes dois casos é honesta, no âmbito da publicidade e dos sites das empresas. Bem melhor do que as "notícias", cada vez mais frequentes nos noticiários portugueses que, sob a capa do jornalismo, fazem publicidade aberta a marcas. 

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