Opinião
[575.] Novo Banco
Raramente uma campanha publicitária nacional terá resultado de um terramoto financeiro e político como a do Novo Banco.
Uma das mais importantes instituições nacionais, centenária, morre de um dia para o outro, ou da noite para o dia, da pior forma e sob as maiores provas e suspeitas de irregularidades e tem de mudar de nome, de logótipo e de imagem no meio do furacão financeiro, político, mediático e popular. Um dos mais famosos apelidos no país, Espírito Santo, é varrido da instituição e da marca. A campanha recente, com Cristiano Ronaldo e Rita Blanco, é obliterada dos media. Não há mais lugar para campanhas demasiado ficcionais, como a da D. Inércia com o dono da bola. É preciso um símbolo humilde acompanhando a descida ao mundo real.
Em vez de Banco Espírito Santo, o "banco bom" assumiu o nome Novo Banco. Parece uma opção de recurso, de emergência, mas às vezes são essas as melhores soluções. O nome não podia ter qualquer ligação ao "banco mau". Tinha de transmitir corte com o passado de véspera, trazer novidade e o ânimo associado a essa novidade. Tinha de ser um nome humilde, sem invocar comércio ou investimentos, sem voar alto, pois quando a propaganda é grande o pobre desconfia, pelo que não dava para criar um nome tipo Millennium BCP ou BPI. Também não podia ser caixa nem montepio, nomes já em uso, tinha de ser banco. Deste modo, a solução de emergência foi provavelmente a melhor.
Faltava uma campanha, uma campanha qualquer. Porquê? Porque não há grandes ou médias instituições sem a criação de ideologia através de publicidade para sobrepor à realidade. Como no caso do nome, era preciso qualquer coisa. Apenas a cor verde se manteve, ou para ligar ao passado, ou por razões de poupança nos custos da mudança, ou ambas as razões. Ao nome foi associada uma borboleta. Surgiram de imediato várias interpretações do símbolo, o que é natural, porque a borboleta, nos mitos do mundo, simboliza valores muito díspares, entre favoráveis e desfavoráveis: consoante o povo e a cultura, significa ligeireza e inconstância, graça, potencialidade do ser, ressurreição, saída do túmulo, longevidade (!), alma desembaraçada do invólucro carnal, alma que se liberta do moribundo, fogo solar e diurno mas também sol negro, reincarnação.
As críticas à imagem do Novo Banco sublinharam a fragilidade e a brevidade da vida da borboleta. Terá sido decerto um risco assumido, dada a evidência dessas características físicas e biológicas do insecto. A borboleta poderia à mesma ter sido escolhida porque, se é frágil, essa característica já é assumida na humildade do nome do banco. Mas mal seria se um símbolo fosse escolhido pela coisa bruta, física, que é. A actividade de um banco nada tem que ver com uma borboleta e vice-versa. Logo, a intenção é simbólica e, no caso, pretende significar a metamorfose: saída da crisálida – o túmulo que o BES era – a borboleta significa o renascimento do banco, a libertação da sua forma vermicular e o levantar voo elegante e inofensivo. O renascimento, ou a reincarnação, é a ideia fundamental: está não só no novo nome da instituição como nos cinco slogans destinados a decorar as agências e os media: em todos aparece a palavra "nascer" e a expressão "bom começo". A mesma ideia é, assim, repetida em cada slogan, mas um deles, acrescentando-lhe um "renovado" consegue introduzi-la três vezes em apenas 13 palavras: "Nascer com o empenho renovado de 6 mil colaboradores é um bom começo." Esta última expressão surge em todos os cartazes e no slogan geral da campanha, acompanhado da borboleta: "Novo Banco. Um bom começo."
A humildade com que o banco e a campanha se apresentam resulta também de não se procurar ocultar o passado: reivindica-se o que é "bom" do extinto BES para o "novo banco" – os colaboradores, as agências, os clientes - e sugere-se a insustentável leveza da borboleta, metamorfoseada dum ser morto, nova, silenciosa como os inocentes.