Opinião
[547.] Publicidade no Super Bowl: Chrysler, Toyota, Kia
Para o SuperBowl, as empresas milionárias abrem cordõesà bolsa e os publicitários fazem o seu melhor com grandes investimentos, mas o seu melhor não é o meu melhor. Em geral, os anúncios tendem para a comicidade.
Quantos de nós sabemos quem venceu a final do campeonato de futebol americano? Nem como fait divers. É o mesmo que interessar-se pelo campeonato de críquete na Índia. E, todavia, os media portugueses noticiaram a vitória dos Seattle Seahawks sobre os Denver Broncos no Super Bowl. Por causa do desporto? Por causa do jogo? Não. Antes porque o Super Bowl se transformou numa evento de primeira grandeza da publicidade televisiva nos EUA. Essa importância acabou por transferir-se, por paradoxo, para um desporto que interessa a uma ínfima minoria de portugueses.
TV e desporto mantêm casamento robusto há décadas, com arrufos temporários que confirmam a solidez da união. É um casamento de amor e de conveniência, quer dizer, perfeito. Ambos ganham. Vários desportos mudaram a sua natureza, incluindo regras, para se adaptarem à linguagem televisiva e ao seu carácter comercial. O futebol americano é exemplar nesta ligação entre o desporto e a TV sob a égide do capitalismo triunfante. Num estudo em 2010, o Wall Street Journal revelou como se concretiza o casamento: o tempo médio de jogo efectivo com a bola numa partida da Liga de Futebol americano, que dura mais de três horas (185m), é inferior a 11 minutos. Não que este arrastamento, típico da TV de fluxo, seja invenção sua. Muito antes de a TV e de a rádio existirem, já o jogo jogado era curto. Em 1912, cronometrou-se um jogo: 13m16s de acção. Das três horas de emissão, a publicidade ocupa cerca de uma hora.
Para o SuperBowl, as empresas milionárias abrem cordões à bolsa e os publicitários fazem o seu melhor com grandes investimentos, mas o seu melhor não é o meu melhor. Em geral, os anúncios tendem para a comicidade — o dia é de festa —, mas nem todos são interessantes ou de qualidade. Alguns do ano passado eram tecnicamente fracos. Este ano, o humor prevaleceu de novo, mas, receando incluir um mínimo de ironia, que poderia desagradar a parte das audiências, recorre-se ao humor consensual, que nem sempre chega "lá", ficando alguns por uma infantilidade adulta, ou uma maturidade infantil. Resultarão na eficácia? Sei que não resultam no aproveitamento de uma ocasião única no mundo para anúncios marcantes não só naquele dia, mas no futuro.
Entre os grandes anunciantes dos últimos anos, houve forte presença de fabricantes de automóveis asiáticos, como a Kia ou a Toyota, todos com anúncios humorísticos. Por isso mesmo, fez-se notar pela diferença o anúncio do fabricante norte-americano Chrysler, protagonizado por Bob Dylan, que é hoje, como se confirmou, um ícone cultural do país, um "national treasure" (link: http://www.youtube.com/watch?v=KlSn8Isv-3M).
A América não tem muitos ícones consensuais a que a Chrysler pudesse recorrer para atingir este objectivo. Com Dylan-ícone, o anúncio não poderia ser tipo engraçadote. Pelo contrário, é um pequeno hino audiovisual, cultural e publicitário, aos EUA (com banalidades poéticas, mas tocando fundo as emoções dos americanos, como "Is there anything more American than America?"), convencendo-os a comprarem carros fabricados no país. O contraste resulta notável com os outros anúncios de carros estreados naquele dia: enquanto uns brincam, este fala a sério; enquanto uns, pelo humor, iludem a questão da nacionalidade e do patriotismo, este exalta o americanismo ao mais alto grau que seria possível com Dylan. A Chrysler fê-lo, julgo, porque sabia antecipadamente qual seria a estratégia dos fabricantes asiáticos nos intervalos do Super Bowl. Vários comentadores disseram que o anúncio "stealed the show" do Super Bowl. A publicidade volta a ganhar o jogo.
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