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22 de Janeiro de 2019 às 19:20

A vanguarda de retaguarda

Não se diz diretamente para um racista para que ele deixe de ser racista. Isto nunca funcionou. Se quer mudar maus comportamentos, há que ser mais esperto e mais criativo.

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Receitas, fórmulas, bulas, manuais: a experiência leva ao conhecimento e este traz lições sobre o passado que ajudam a evitar equívocos futuros.

 

É por isso que o erro é sempre incómodo. E quanto maior o tamanho da coisa errada (podendo para ser evitada apena o uso do simples bom senso), maior o espanto.

 

Acho que foi Aristóteles quem disse que "o erro pode acontecer de diferentes formas, mas o acerto de um modo só". Será?

 

Vi algumas vezes o filme "The Best Men Can Be", mais conhecido como o anúncio polémico da Gillette. Para quem andou um pouco distraído na semana passada, trata-se de uma peça publicitária onde a Gillette tenta reposicionar-se, aderindo ao grupo de marcas com preocupações sociais explícitas.

 

As causas agora defendidas pela Gillette são todas boas. Que bom que tenha decidido usar a sua voz para combater o bullying e assédios vários (sexuais, morais, verbais etc.). Nada contra ao ato de nos fazer lembrar o papel dos adultos como modelos de comportamentos para os miúdos. Parabéns por inovar na comunicação num segmento em tudo conservador.

 

Mas os meus elogios, infelizmente, terminaram. Não consigo defender a execução (o filme em si), um amontoado de clichês negativos e pura arrogância.

 

Sei que muitos dos meus melhores colegas de profissão adoram esse anúncio. Compreendo as razões deles. Há várias maneiras de ver o mundo, os meus olhos (e os meus óculos) não são nem os mais certos, nem os únicos.

 

Mas não ganho para defender o erro. E alienar a audiência é uma das falhas mais básicas de quem trabalha em comunicação de massa.

 

Não se diz diretamente para um racista para que ele deixe de ser racista. Isto nunca funcionou. Se quer mudar maus comportamentos, há que ser mais esperto e mais criativo.

 

Só isto já seria o suficiente para dizer ao pessoal que criou, aprovou e produziu o "The Best Men Can Be" para voltar à mesa de trabalho.

 

Tenho a certeza que vão voltar. Há que se encontrar uma maneira de dar a volta a esse arranque em falso. Nada demais. A vida é assim mesmo. Nem todos os tiros atingem a caça. Há mais marés do que marinheiros.

 

Sei que essa campanha fala diretamente ao coração do millennials. Compreendo porque eles aplaudem-na. Mais uma vez, há ali coisas admiráveis em termos de intenções.

 

Costumo dizer que não há erro que o dinheiro não lave. Tenho a certeza que a Procter & Gamble (dona da Gillette) vai abrir a carteira e usar alguns milhões de dólares para limpar essa bagunça (aliás, produtos de limpeza são a especialidade da companhia).

 

No fim do dia, "The Best Men Can Be" não passa de um anúncio. É um mero reflexo de um mundo que está a mudar e não a alavanca que faltava para essa mudança. Não resolve nada, atrapalha muito pouco. E isso talvez seja o que mais doa à corporação publicitária que deseja ser vanguarda. Que pena, não somos. Assim como a Procter, ganhamos a vida a vender sabão e lâminas de barbear. Isto não é muito, mas também não é vergonha nenhuma.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "A publicidade é sempre a vanguarda da retaguarda".

 

Publicitário e Storyteller

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