Opinião
Uma Europa diferente no fim do Verão?
Num momento em que o Governo português esteve suspenso uma semana a remodelar-se, num processo que minou a confiança externa e o que resta da confiança interna de que dispunha, na União Europeia surgem de novo velhos temas, que podem vir a ganhar espaço no próximo ano. Entre estes a ideia de estabilizadores automáticos financiados ao nível comunitário.
Numa audição pública do Comité de Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu em que participo hoje em Bruxelas discute-se se a União Europeia, e em particular a Zona Euro, deve criar mecanismos de estabilizadores automáticos centrais e as modalidades que estes podem assumir. Discute-se em particular se deve haver alguma forma de subsídio de desemprego europeu.
Este tema não é novo, tendo sido discutido no processo de criação da moeda única. No entanto, o optimismo que marcou o início da moeda única fez com que tivesse sido colocado de lado. Durante os primeiros anos, o Euro foi um projecto visto como correndo tão bem que dispensou sequer discussão sobre o aperfeiçoamento dos seus mecanismos, cujas insuficiências a actual crise revelou de forma brutal.
Na primeira fase da resposta à actual crise, dominou a ideia de que a coordenação de políticas macroeconómicas expansionistas com uma base de cooperação voluntária entre os estados da Zona Euro seria suficiente para relançar a economia, mantendo a confiança e ultrapassando as limitações da arquitectura da moeda europeia. A crise grega alterou tudo e deu origem a uma segunda fase, que se estende até hoje, dominada pela ideia de risco moral e, associada a esta, a necessidade de punição e responsabilização dos estados em dificuldades. O resultado desta política foi o acentuar das dificuldades nos estados sujeitos a políticas de austeridade punitivas e o contágio, que da Grécia passou para a Irlanda, depois Portugal, Espanha, Chipre, com a Itália, a Eslovénia, e mesmo a Holanda, Bélgica e a França a serem referidos como os próximos na linha.
Neste momento, a evidência de que as políticas de austeridade seguidas em toda a Zona Euro estão a resultar num segundo pico de recessão que está a afectar todo o espaço europeu que, por exemplo os EUA conseguiram evitar, a par com a constatação de que estas não contribuíram para restabelecer de forma sólida a confiança na Zona Euro, estão a criar algum espaço para uma alteração de políticas ao nível europeu.
Em paralelo, a evidência de que o factor mais importante de retoma da confiança no espaço europeu no último ano foi a inversão de orientação política do BCE, com a entrada de Mario Draghi, que quebrou com a ortodoxia imposta até então à política monetária pela Alemanha.
A alteração de política do BCE mostra que, na UE, aspectos que se consideram impossíveis de mudar podem mudar rapidamente. Não é certo que a esta alteração se sigam outras. Veja-se o atraso do processo da União Bancária.
No entanto, o facto de na EU: se estar a discutir a introdução de estabilizadores automáticos ao nível europeu; se voltar a considerar formas de mutualização das dívidas públicas; haver sinais de que a união bancária pode avançar até ao fim do ano; e de que mesmo os países e líderes europeus mais ortodoxos começam a ter dúvidas sobre os resultados da política generalizada de austeridade a nível europeu, abre perspectivas de que pode haver uma mudança progressiva nas posições e prioridades europeias.
O momento de viragem pode até já ter acontecido, mas pelo menos na Alemanha muito vai estar em suspenso até Setembro. Mesmo que as posições tenham já evoluído, não vão provavelmente ser assumidas antes do fim do Verão. No final do corrente ano, o número de países que defendem a manutenção da actual política de austeridade será muito menor do que era há um ou dois anos.
Não vale a pena ter ilusões. Não é provável que haja uma inflexão radical da política europeia, mas é provável que haja uma moderação da austeridade. Tão pouco podemos contar que rapidamente sejam implementados novos mecanismos de solidariedade entre os países da Zona Euro. No entanto, há oportunidades interessantes que se abrem, a partir da consciência de que a divergência entre estados coloca em risco o próprio projecto europeu.
Portugal deve, na sua política externa, assumir estes temas, colocando urgência em questões como a união bancária, ou a ideia de implementar estabilizadores automáticos ao nível europeu.
Professor no departamento de Economia da Universidade do Minho