Opinião
Tudo é feito de mudança
A velha sedução que os mais novos tinham pela luta política, impulsionados pelo sonho de fazer do mundo um local decente, deixou de despertar esse exaltante entusiasmo.
As eleições presidenciais forneceram elementos de reflexão sobre a erosão a que os partidos tradicionais estão seriamente ameaçados, e que o "sistema" ameaça entrar em colapso, talvez mais cedo do que se julga. Podemos, acaso, aferir que a espectacular ascensão do Bloco de Esquerda, sem ser um epifenómeno, significará mais para o futuro, atendendo que o PCP, ainda com grande influência social e sindical, está numa linha evasiva. Muitos militantes desejariam alterações; muitos outros desacordam dessa alteração, que talvez fosse fatal para o partido, cuja história está intimamente ligada não só à Resistência como às modificações registadas na sociedade portuguesa, nos últimos 40 anos.
Está tudo em mudança, até a própria concepção da existência. A velha sedução que os mais novos tinham pela luta política, impulsionados pelo sonho de fazer do mundo um local decente, deixou de despertar esse exaltante entusiasmo. Digo-o com pesar, mas sei do que falo. E lembro o que o Papa Francisco disse sobre os malefícios do capitalismo (causa das próprias doenças espirituais), a ganância e a desumanização que provoca.
As sociedades estão em evolução, para o mal e para o bem. A conjugação de esforços, alguns bem contrafeitos, entre partidos opostos e até antagónicos, registada em Portugal, e que levou, legitimamente, o PS ao poder, é um sinal poderoso dos movimentos sociais e, bem entendido, culturais, que atravessa a nação. O Bloco de Esquerda corresponde a essa necessidade de evolução, que varre toda a Europa. E os questionamentos feitos à União Europeia, e a falência da tão apregoada solidariedade entre países, constituem um afrontamento com o próprio capitalismo. Porque, na realidade, o que está em questão é a própria natureza predatória do capitalismo, tantas vezes posta em causa nos textos do Papa, e veementemente criticada por aqueles que vêem no "sistema" a decadência inexorável de um modo de viver e de um tipo de civilização.
Parece ainda haver resquícios de temor quando se fala ou se critica o capitalismo. A própria Igreja portuguesa, com raríssimas excepções, tem sido omissa na relação com o ideário do Papa. Continuam, nos templos católicos, a mesma reverência supersticiosa e a mesma obediência apavorada que fizeram fé nas camadas mais ignaras da população. O meu profundo respeito pelos crentes começa na minha própria família e nas relações de estima e de amizade que mantenho com dignitários católicos. Não me venham com essa do ateísmo ou do comunismo: já não cola, mas pegou durante décadas miseráveis e dolorosas.
A falta de fé, em largas camadas da população mais jovem, deve-se à hierarquia da própria Igreja, que não estimula a crítica, pelo contrário, e prega a obediência sem sentido. As mudanças substanciais que ocorrem um pouco por toda a parte erguem-se à revelia da hierarquia, e talvez daí decorra o afastamento registado.
As últimas eleições fornecem amplos motivos de reflexão, que não podem nem devem limitar-se ao acto circunstancial. Há tempos, Jorge Coelho, o melhor e mais apto comentador daquela trapalhada chamada Quadratura do Círculo, chamava a atenção para o facto de as coisas, o mundo e os homens estarem a ser contestados. Quando cito Jorge Coelho é, de facto, para vulgarizar Pacheco Pereira, que apenas recita o breviário, com ar pedante e vácuo; e para nomear um António Lobo Xavier, a nulidade das nulidades, imagem devolvida do pipi dos anos 50 do passado. Um dia destes direi mais. Até lá, Dilecto, saúde e fantasia.
Está tudo em mudança, até a própria concepção da existência. A velha sedução que os mais novos tinham pela luta política, impulsionados pelo sonho de fazer do mundo um local decente, deixou de despertar esse exaltante entusiasmo. Digo-o com pesar, mas sei do que falo. E lembro o que o Papa Francisco disse sobre os malefícios do capitalismo (causa das próprias doenças espirituais), a ganância e a desumanização que provoca.
Parece ainda haver resquícios de temor quando se fala ou se critica o capitalismo. A própria Igreja portuguesa, com raríssimas excepções, tem sido omissa na relação com o ideário do Papa. Continuam, nos templos católicos, a mesma reverência supersticiosa e a mesma obediência apavorada que fizeram fé nas camadas mais ignaras da população. O meu profundo respeito pelos crentes começa na minha própria família e nas relações de estima e de amizade que mantenho com dignitários católicos. Não me venham com essa do ateísmo ou do comunismo: já não cola, mas pegou durante décadas miseráveis e dolorosas.
A falta de fé, em largas camadas da população mais jovem, deve-se à hierarquia da própria Igreja, que não estimula a crítica, pelo contrário, e prega a obediência sem sentido. As mudanças substanciais que ocorrem um pouco por toda a parte erguem-se à revelia da hierarquia, e talvez daí decorra o afastamento registado.
As últimas eleições fornecem amplos motivos de reflexão, que não podem nem devem limitar-se ao acto circunstancial. Há tempos, Jorge Coelho, o melhor e mais apto comentador daquela trapalhada chamada Quadratura do Círculo, chamava a atenção para o facto de as coisas, o mundo e os homens estarem a ser contestados. Quando cito Jorge Coelho é, de facto, para vulgarizar Pacheco Pereira, que apenas recita o breviário, com ar pedante e vácuo; e para nomear um António Lobo Xavier, a nulidade das nulidades, imagem devolvida do pipi dos anos 50 do passado. Um dia destes direi mais. Até lá, Dilecto, saúde e fantasia.
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