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Opinião
07 de Fevereiro de 2017 às 20:37

Trump e a desordem fiscal mundial

Caro/a leitor/a, o que se segue é um exercício lúdico que desafia as regras do jogo internacional. A autora não é pessimista nem fomenta cenários catastróficos.

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Em 2016, a OCDE e a União Europeia festejam a coordenação multilateral dos impostos societários; a Comissão Europeia exige que a Irlanda recupere 13 milhares de milhões de euros à Apple, por benefícios fiscais ilegais.

 

Em 2016, Trump candidato anuncia uma política económica protecionista.

 

 Em 2017, Trump Presidente mostra ao mundo como a América é grande, como é fácil abandonar o multilateralismo apregoado pelo G20 e pela OCDE desde a crise financeira de 2008.

 

Nos anos seguintes, as empresas norte-americanas pagarão um imposto direto sobre importações de bens e serviços (um IVA em substância) enquanto a exportação dos mesmos fica isenta. O regime de tributação universal de lucros é abandonado e o repatriamento de investimento no exterior não paga imposto. Em contrapartida, as empresas norte-americanas que abandonem o país pagam impostos à saída.

 

Discute-se se estas e outras medidas estimularão a economia norte-americana, se travarão uma globalização excessiva, se trarão de volta guerras comerciais, se retrocedemos ao século XIX ou aos anos trinta do século XX, com a disseminação de tarifas alfandegárias.

 

Curiosamente, em matéria de impostos, as medidas anunciadas, se aprovadas, vão acentuar a globalização descoordenada, a concorrência fiscal internacional. Teremos um efeito de bola de neve: protecionismo, concorrência fiscal, impostos regressivos, mais défice e dívida pública.

 

Protecionismo pode significar atrair investimento sem penalizar a saída do mesmo. Criação de zonas "offshore" transparentes, descida das taxas do imposto societário, substituição de um imposto sobre os lucros por um imposto societário sobre o volume de vendas.

 

Trump baixa o imposto societário sobre os lucros da Amazon, Apple e Starbucks, o Reino Unido revoga o imposto sobre os lucros e tributa a Amazon, a Apple e a Starbucks pelas vendas no seu território. A Irlanda, os Países Baixos e Malta decidem não tributar lucros nem vendas das empresas, aplicam IVA aos consumidores. A China subsidia as empresas chinesas, a Índia baixa salários e continua a aposta em setores de ponta, mantém o imposto societário ou segue o Reino Unido. A Austrália segue o Reino Unido. A Itália também. A Alemanha adota a política norte-americana e abandona a tributação universal de lucros, aumenta os impostos à saída.

 

Portugal segue a Alemanha, mas não atrai investimento, os impostos à saída não convencem o investimento a ficar. Não interessa um imposto direto sobre vendas, o consumo é baixo. Aumenta a tributação do património imobiliário, ricos são os excluídos da globalização, riqueza é o património que não se deslocaliza.

 

Mesmo com impostos baixos, as multinacionais americanas preferem declarar perdas nos EUA e transferir os lucros para territórios com tributação nula. Os EUA não conseguem a cooperação internacional para aferir essas transferências e desistem do imposto sobre os lucros.

 

A Comissão Europeia fica com as propostas de harmonização fiscal na gaveta, as diretivas antiabuso não são aplicadas e não há litígios com os contribuintes, o Tribunal de Justiça respira, a OCDE perde o seu palácio de la Muette; as empresas norte-americanas só investem nos Estados que não tenham impostos societários; o Tribunal de Justiça condena a Apple, a Amazon e a Starbucks ao reembolso de benefícios fiscais indevidos, Trump retalia.

 

Voltará a América a ser grande?

 

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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