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18 de Março de 2020 às 12:29

Senhor Presidente, senhor primeiro-ministro: precisamos da verdade sobre a Covid-19

Quantos de nós souberam que até há poucos dias os hospitais de referência estavam proibidos pela tutela de fazer testes a doentes respiratórios, a não ser que tivessem estado em contacto com doentes infetados pela Covid-19?

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Quantos de nós estamos infetados ou em vias de ficar infetados?

 

Quantos de nós souberam ou questionaram por que foi submetido (e bem) o Presidente da República ao teste do coronavírus e ao isolamento voluntário, e o mesmo teste não foi feito aos alunos da escola secundária de Idães, que estiveram com ele e motivaram tal isolamento, porque tal teste não cabia no protocolo?

 

Quantos de nós souberam que até há poucos dias os hospitais de referência estavam proibidos pela tutela de fazer testes a doentes respiratórios, a não ser que tivessem estado em contacto com doentes infetados pela Covid-19?

 

Quantos de nós sabem que só os hospitais de referência estão autorizados pela tutela a fazer testes de despistagem da Covid-19?

 

Que os outros hospitais, incluindo as PPP, em caso de suspeita, devem ligar para a linha de saúde 24, e ficam três dias à espera de resposta, os doentes entretanto regressados a casa e à comunidade. Para finalmente serem enviados para um dos hospitais de referência e serem testados.

 

Que nestes hospitais de referência há duas filas, uma das quais junta todos os doentes com infeção respiratória, uns com Covid-19 e outros, até aí, sem ela?

 

Que, no dia 16 de março, um doente chegado ao hospital com suspeita da Covid-19, mas sem gravidade para internamento, não foi testado.

 

Que as PPP neste momento, se não quiserem ficar à espera da resposta da linha de saúde 24, não enviam o doente para casa e fazem os testes à sua custa.

 

Que os jovens infetados, submetidos a ventilação, tal como outros adultos sobreviventes, não entram para as estatísticas do número de mortes, mas vão, provavelmente, ficar incapacitados para o resto da sua vida? Cicatrizes pulmonares, disfunções respiratórias, neuro-psíquicas (perda de memória e atenção) e psiquiátricas.

 

Que os médicos que aconselham a tutela e falam nos media têm um discurso eufemista, em certos casos de "yes-minister", e outro, honesto e pessimista, dentro dos hospitais.

 

Os três modelos governamentais de reação à doença já são por todos conhecidos: O do distanciamento social e rastreio ativo (seguir os contactos dos contactos dos infetados (Singapura e Hong Kong); o do rastreio ativo com proteção dos mais frágeis para evitar o colapso do sistema de saúde (Alemanha); o que não impôs distanciamento nem rastreio suficiente a tempo (o italiano e o espanhol). Os dois primeiros modelos já fizeram reduzir a curva nos respetivos países; a subida da curva no terceiro modelo, o tal que estamos a imitar, não tem fim à vista.

 

Têm sido divulgadas nos media as curvas de Filadélfia e de St Louis, de 1918, no contexto da epidemia gripal. Dois Estados similares em termos sócio-económicos e por isso comparáveis. Quando apareceram os primeiros casos em Filadélfia, em 17 de setembro de 1918, as autoridades ignoraram o significado e continuaram a autorizar os ajuntamentos públicos. Só os proibiram quando o vírus estava disseminado. Assim Itália, Espanha, e agora Portugal.

 

Os primeiros casos em St. Louis foram reportados no início de outubro de 1918, e as medidas de distanciamento social tomadas dois dias depois. Em Filadélfia, as mortes chegaram às 250 por cem mil pessoas. Em St. Louis pouco acima dos 50 por cem mil pessoas. A curva suave em St. Louis permitiu que o pessoal da saúde garantisse o funcionamento do sistema.

 

Por que razão os nossos decisores políticos andam atrás dos acontecimentos e da sociedade civil e não à frente?

 

Todas estas perguntas são atualmente colocadas por médicos que levam a sua missão a sério. Alguns dos quais se disponibilizaram a auxiliar os infetados em Milão, devidamente protegidos, para regressarem com experiência a Portugal, e cumprirem a sua missão. E tudo isto me foi contado por um intensivista português de renome ao serviço de uma PPP, um médico-herói, dos que trabalham para salvar vidas. "The usual disclaimer applies".

 

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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