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10 de Fevereiro de 2014 às 00:01

Sociedades de profissionais e Segurança Social

As recentes alterações introduzidas no art.º 6ºº do Código do IRC, na noção de sociedades de profissionais, criaram dúvidas não só na interpretação a ser dada a esta nova norma, para efeitos de imposto sobre o rendimento, mas também em sede de Segurança Social.

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As recentes alterações introduzidas no art.º 6ºº do Código do IRC, na noção de sociedades de profissionais, criaram dúvidas não só na interpretação a ser dada a esta nova norma, para efeitos de imposto sobre o rendimento, mas também em sede de Segurança Social.


Espera-se com ansiedade que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) torne público o seu entendimento sobre como interpreta a nova definição, introduzida pela Lei de Reforma do IRC, quanto ao que se considera "sociedades de profissionais" para efeitos de inclusão no regime de transparência fiscal. Tarefa que, certamente, não será fácil, tendo em consideração que, na prática, podemos estar a aplicar um regime criado para tributar profissionais de uma dada atividade liberal, a pessoas que são apenas sócios de capital.

Desde logo, podemos retirar da norma que poderão ser abrangidas por este regime, não só as sociedades cujos sócios sejam todos profissionais da lista anexa ao Código do IRS e que exercem tal atividade nas sociedades, mas também as sociedades que tenham como sócios, além desses profissionais, outras pessoas singulares que não exerçam qualquer destas atividades profissionais, outras sociedades e até menores. Verificadas as demais condições de inclusão deste regime, e desde que, pelo menos 75 por cento do capital seja detido pelos designados profissionais, não é relevante a pessoa singular ou coletiva que detenha os outros 25 por cento, desde que o número total de sócios da sociedade não seja superior a cinco. Há uma única exceção a esta regra: quando um dos sócios seja pessoa coletiva de direito público. Esta é condição bastante para excluir a aplicação do regime de transparência fiscal.

Em resumo, permite-se a imputação da matéria coletável apurada na sociedade transparente, não só aos profissionais, mas também a pessoas que são só sócios de capital, incluindo outras sociedades comerciais e também pessoas singulares menores de idades que, por exemplo, possam ter obtido a sua quota por herança ou doação.

Dúvidas em torno da Segurança Social

Como consequência desta alteração pensada apenas em IRC, haverá também reflexos em sede de Segurança Social. E, portanto, acumulam-se as dúvidas sobre o enquadramento em Segurança Social destas outras pessoas, singulares ou coletivas, que não exercem qualquer atividade profissional suscetível de se enquadrar no regime dos trabalhadores independentes.

O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, habitualmente designado apenas como Código Contributivo, estabelece a inclusão no regime dos trabalhadores independentes, dos sócios ou membros das sociedades de profissionais definidas na alínea a) do n.º 4 do art.º 6.º do Código do IRC. Ainda que tais sócios exerçam funções de gerência ou administração nas referidas sociedades transparentes e por isso aufiram remuneração, não há lugar ao pagamento de quaisquer quotizações ou contribuições para a Segurança Social como membros dos tais órgãos estatutários. A obrigação contributiva estabelece-se apenas na qualidade de sócios de sociedades de profissionais transparentes.

A base contributiva é uma remuneração convencional, em função do escalão determinado pelo rendimento relevante. Por seu turno, o rendimento relevante é determinado aplicando determinadas percentagens ao valor total de prestação de serviços e aos rendimentos associados à produção e venda de bens obtidos pela sociedade transparente, no ano civil anterior, ou ao seu lucro tributável quando deste resulte valor inferior.

A dúvida surge então: poderá um mero sócio de capital de uma sociedade de profissionais transparente ficar obrigado a fazer contribuições para a Segurança Social, como se de um trabalhador independente se tratasse? Faz sentido uma sociedade ou um menor ficar nessa situação?

Em primeiro lugar, as normas em causa do Código Contributivo foram criadas num cenário em que só podiam existir sociedades de profissionais transparentes caso todos os sócios (pessoas singulares) fossem profissionais dessa atividade e a exercessem de facto na sociedade. Se um desses profissionais apenas exercesse funções de gerência, era entendimento da administração fiscal que a sociedade não reunia as condições para aplicação da transparência fiscal. Além de que a própria norma fiscal impunha condições muito restritas quanto às atividades desenvolvidas pela sociedade transparente, o que resultava que, tal situação mais não era que profissionais liberais da mesma atividade que a exerciam em conjunto aproveitando as economias de escala e as sinergias resultantes desse agrupamento. A forma societária assumida era, pois, irrelevante para a tributação em imposto sobre o rendimento e também em Segurança Social. E é neste contexto, que devem ser entendidas as disposições atualmente insertas no Código Contributivo.

Para responder à questão atrás formulada, de que se um sócio de capital de uma sociedade de profissionais enquadrada na transparência fiscal, pode ficar obrigado a fazer contribuições para a Segurança Social, teremos de recorrer ao âmbito do regime dos trabalhadores independentes. Não há dúvida que, no art.º 132.º do Código Contributivo se estabelece uma condição de exercício de uma atividade profissional. Se a relação entre o sócio e sociedade se limita unicamente à detenção do capital, parece-nos ser de concluir que não pode haver inclusão no regime dos trabalhadores independentes.

Não aplicação do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem

Outra dúvida resulta da norma que determina a não aplicação do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem como membros dos órgãos estatutários. Atentos à redação desse preceito (art. 63º do Código Contributivo) apenas se verifica a exclusão como membro dos órgãos estatutários dos sócios gerentes de sociedades constituídas exclusivamente por profissionais incluídos na mesma rubrica da lista anexa ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e cujo fim social seja o exercício daquela profissão. Ou seja, esta redação apenas serve para as sociedades que se insiram na definição "antiga" (que ainda se mantém) de sociedades de profissionais, prevista no art.º 6.º do CIRC, mas já não para as que se incluem na "nova" definição.

Parece-nos que se pode entender que a exclusão do regime dos trabalhadores dependentes para os que exercem funções de gerência só fará sentido para os sócios profissionais que se integrem no regime dos trabalhadores independentes e não para os sócios não-profissionais (desde que não sejam pessoas coletivas).

Urge pois, clarificar estas dúvidas, o que eventualmente também terá de passar pela alteração da redação das citadas normas do Código Contributivo.

Será ainda de equacionar quanto a eventuais entendimentos e modificações nas disposições do Código Contributivo, que a inclusão no regime de transparência fiscal num dado período de tributação está dependente de diversas variáveis, algumas das quais não totalmente controladas por aqueles que detêm o seu capital.

As alterações na proporção dos rendimentos obtidos das atividades previstas na lista anexa ao Código do IRS, em relação aos rendimentos totais auferidos pela sociedade, pode conduzir a que, num dado ano, fique enquadrada no regime de transparência fiscal e no ano seguinte já fique incluída no regime geral. De igual modo, as previsões efetuadas no início do ano quanto à inclusão, ou não, no regime de transparência fiscal podem não se vir a concretizar por variações não expectáveis nessa proporção de rendimentos. E, como vimos, não está apenas aqui em causa a mudança de regime de tributação em IRC, mas também a alteração do regime de Segurança Social aplicável.

comunicacao@otoc.pt
Artigo redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico

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