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Será um conflito entre os EUA e a China inevitável?

A questão sino-americana é talvez o desafio mais importante dos nossos tempos. Irá esta “armadilha de Tucídides” terminar num conflito armado ou, à semelhança da Guerra Fria entre os EUA e a URSS, a ordem internacional permitirá uma coexistência dita pacífica?

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Tucídides foi um dos maiores historiadores da Grécia Antiga, tendo escrito um tratado de oito volumes, intitulado “História da Guerra do Peloponeso”, que dá conta do conflito entre Atenas e Esparta no século V a.C. De forma resumida, Esparta, potência dominante da época, sentiu-se ameaçada pela ascensão de Atenas, o que levou a um crescente desacordo que derivou numa guerra total, da qual acabaram por sair vitoriosos os espartanos.

Mais recentemente, em 2018, Graham T. Allison, cientista político e professor em Harvard, publicou o livro “Destinados à Guerra”, no qual cunhou a expressão “armadilha de Tucídides”, referindo-se à teoria de que, quando o poder estabelecido é ameaçado por um poder emergente, uma guerra é quase sempre inevitável. O autor examinou os últimos 500 anos e deparou-se com 16 casos que se enquadram nesta descrição, sendo que apenas três não resultaram em guerra. A ascensão da Alemanha no final do século XIX e início do século XX, que desafiou a supremacia do Reino Unido à data e deu origem à I Guerra Mundial, é um dos exemplos ilustrativos. Curiosamente, nestes cenários, o conflito armado tende a ser desencadeado por um país terceiro (como aconteceu na I Guerra Mundial).

Na era contemporânea, os Estados Unidos da América são, indiscutivelmente, o poder estabelecido e a China o futuro rival. Os últimos cem anos foram, em diversos sentidos, o século americano, durante o qual os EUA se assumiram como o principal arquiteto e guardião da ordem internacional. O impacto da ascensão da China é visto por muitos nos EUA como uma afronta a essa hegemonia.

Em 1948, nove em cada 10 cidadãos chineses viviam em extrema pobreza. O ponto de viragem deu-se sob a liderança de Mao Zedong. A partir daí, a China iniciou uma marcha que a conduziu até onde se encontra hoje. Em 2020, mais de 99% da população do país vive acima do limiar da privação, o que se afigura, certamente, como uma das maiores conquistas alguma vez alcançada em termos de governação. No entanto, os planos de progresso do gigante asiático ainda não chegaram ao fim. Até 2035, Pequim pretende ser líder em todas as tecnologias e, até 2049, ambiciona ser a potência dominante à escala global em todas as esferas, inclusive militar. Neste sentido, compreende-se bem o porquê de Washington encarar esta postura como um ataque à posição de preponderância, por excelência, americana.

A questão sino-americana é talvez o desafio mais importante dos nossos tempos. Irá esta “armadilha de Tucídides” terminar num conflito armado ou, à semelhança da Guerra Fria entre os EUA e a URSS, a ordem internacional permitirá uma coexistência dita pacífica? Após a II Guerra Mundial, um forte conjunto de instituições internacionais foi criado, incluindo as Nações Unidas, o Banco Mundial e a NATO. Hoje, infelizmente, muitas destas entidades parecem desgastadas e cada vez mais irrelevantes. Evitar a dissidência completa das duas economias, que poderia culminar na polarização do poder global e em dois rivais de costas voltadas, requer o estabelecimento de uma nova ordem mundial baseada na cooperação e focada na resolução de desafios comuns, como as mudanças climáticas, as desigualdades de rendimentos, as migrações e até as pandemias. À medida que a História segue o seu curso, só me ocorrem as palavras do filósofo espanhol George Santayana: “Aqueles que não se recordam do passado estão condenados a repeti-lo.”

 

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