Opinião
Os desafios para o BCE de Christine Lagarde
A pergunta que fica, e cuja resposta definirá o legado de Lagarde, é a seguinte: conseguirá a nova presidente instigar a coragem política e os consensos necessários a uma maior solidariedade e integração fiscal entre os países do Norte e os do Sul da Europa?
No dia 1 de novembro de 2019, após um mandato de oito anos, Mario Draghi foi substituído, no cargo de presidente do Banco Central Europeu, por Christine Lagarde. A antiga ministra do governo de Nicolas Sarkozy e ex-diretora-geral do FMI é conhecida pela distinção da sua carreira no mundo da advocacia e pela habilidade com que se movimenta no meio político; não sendo, portanto, alguém com o perfil típico de líder de um Banco Central, papel normalmente reservado a académicos, sobretudo da área da economia. Lagarde é também a primeira mulher à frente do BCE, tendo a sua nomeação surpreendido muitos, dado que não era, de todo, a favorita, numa lista em que sobressaía o nome do alemão Jens Weidman.
Hoje, poucos terão dúvidas quanto à lógica e aos motivos que levaram à escolha de Lagarde, a quem é reconhecida a capacidade de gerar consensos políticos, pensar fora da caixa e influenciar quem a rodeia, algo que provou enquanto líder do FMI. O BCE está, neste momento, dividido, o que ficou evidente pelas dissonâncias que surgiram dentro do conselho governativo em outubro, na sequência da última decisão de Mario Draghi, de baixar taxas de juro e reiniciar o programa de compra de ativos, com os representantes de alguns países do Norte da Europa, como a Alemanha, França e Holanda, a votarem contra as novas políticas de estímulo. Restabelecer a ordem dentro da instituição será o primeiro desafio da nova presidente.
Muitos dos que têm uma visão mais negativa, apontam para a margem de manobra limitada que o BCE terá atualmente, com taxas de juro a níveis historicamente baixos. Ao mesmo tempo, o programa de compra de ativos poderá, em breve, esbarrar em restrições autoimpostas, de adquirir dívida soberana de acordo com a participação de cada país no banco, sendo que este não pode, em nenhum momento, deter mais do que um terço do total da dívida soberana de qualquer um deles. Prevê-se que os problemas não tardarão, assim, a chegar, já que a dívida alemã se encontra em níveis muito baixos, impondo um tecto a este novo programa de compra. Apesar de todos os esforços, a inflação na Zona Euro registou o seu nível mais baixo em outubro deste ano, com uma taxa anual de 0,7%, longe do alvo de 2% instituído pelo banco. Não é, por isso, implausível considerar a necessidade de ainda mais estímulos. Neste cenário, a experiência política e o poder de negociação de Christine Lagarde serão fundamentais para alcançar o consenso necessário para a flexibilização destas restrições e para a manutenção da referida margem de manobra, em termos de política monetária, para, se preciso, baixar ainda mais as taxas de juro.
Por último, o derradeiro desafio será, talvez, o repto deixado por Mario Draghi, no seu último discurso enquanto presidente do BCE: é premente coordenar políticas fiscais de estímulo, a adotar pelos países membros, em combinação com as ações de flexibilização monetária e de compra de ativos já implementadas pelo BCE, de modo a atingir os objetivos de crescimento económico e inflação próxima, mas abaixo dos 2%. Esta será a grande batalha do mandato de Christine Lagarde. A voz de forças políticas que se opõem ao projeto europeu faz-se ouvir um pouco por todo o continente, numa altura em que a necessidade de coordenação de esforços e estratégias comuns se faz sentir com particular urgência. A pergunta que fica, e cuja resposta definirá o legado de Lagarde, é a seguinte: conseguirá a nova presidente instigar a coragem política e os consensos necessários a uma maior solidariedade e integração fiscal entre os países do Norte e os do Sul da Europa?
Analista Sénior da ActivTrades