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19 de Setembro de 2017 às 14:47

Portugal só é grau de investimento no nome

O que é estranho é a canadiana DBRS ter, de forma valente, mantido Portugal em BBB, um nível acima de "lixo", durante toda a crise.

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O filho pródigo regressou. Portugal está de novo em território de grau de investimento depois de a S&P Global Ratings ter na sexta-feira elevado o rating soberano de BB+ para BBB-, citando o progresso firme de Portugal na redução do défice orçamental e as perspectivas para um crescimento económico mais rápido.

 

No início de 2017 as "yields" das obrigações portuguesas a 10 anos estavam em redor de 4,5% e estão agora abaixo de 2,5%. O progresso da economia tem sido bom, mas não o suficiente para dar uma dentada no esmagador montante da dívida. Esta melhoria já foi mais do que descontada nos preços dos activos. De facto, é difícil avaliar quanto mais podem cair os juros das obrigações portuguesas de forma justificada, depois da queda de 30 pontos base na segunda-feira.  

 

Estrela dos periféricos

 

O nível insustentável da dívida foi a principal razão pela qual as agências de rating colocaram Portugal no território de "lixo" há cinco anos, no auge da crise do euro. Nesta matéria o progresso foi glacial. O bom desempenho dos títulos portugueses tem muito mais a ver com a sua relativa escassez do que uma súbita transformação económica.

 

Portugal é um dos poucos países europeus que beneficia de todos os mecanismos de apoio do Banco Central Europeu. O banco central tem agora quase um terço de toda a dívida emitida por Portugal. O que é o máximo permitido de acordo com as regras do programa de compra de activos ("quantitative easing", ou QE) do BCE.

 

A descida das "yields" na sessão de segunda-feira pode reflectir uma antecipação de que a decisão da S&P vai alargar a base de investidores, dado que aumenta as perspectivas de que as obrigações possam ser elegíveis para os fundos que só podem comprar títulos com "rating" no grau de investimento. Mas há mais do que isso. Muitos fundos de investimento exigem ratings com grau de investimento por parte de duas das três principais agências: S&P, Moody's Investors Service and Fitch Ratings. As duas últimas ainda classificam Portugal um nível abaixo do grau de investimento, apesar de com perspectiva positiva.

 

E para os maiores índices de fundos de obrigações, as restrições são ainda maiores. Por exemplo, apesar da subida da S&P, Portugal ainda vai permanecer fora do índice de obrigações soberanas mundiais do Citigroup. Para regressar é necessário que os soberanos que tenham perdido o grau de investimento consigam um rating de pelo menos A- na S&P e A3 na Moody’s.

 

As alterações no "rating" também não são suficientes para a inclusão da dívida portuguesa nos índices de obrigações Bloomberg Barclays.

 

O que é estranho é a canadiana DBRS ter, de forma valente, mantido Portugal em BBB, um nível acima de "lixo", durante toda a crise. Para ser elegível para as compras do BCE, um soberano necessita ter um rating com grau de investimento por parte de uma das quatro agências – as três mencionadas em cima mais a DBRS. A avaliação desta agência teve o resultado vital de permitir que o BCE continue a administrar todo o seu medicamento com o QE. A DBRS não tem a mesma relevância para os investidores.

É duvidoso que os gestores de fundos que possam em breve investir em Portugal saltem agora para a dívida portuguesa depois de uma queda tão surpreendente nos juros. Com um rácio em relação ao PIB superior a 125%, a carga da dívida é totalmente insustentável - mas pelo apoio inabalável do banco central. Todos saúdam o BCE. 

 

Marcus Ashworth é um colunista da Bloomberg, com foco nos mercados europeus. Trabalhou três décadas na industria financeira, sendo que mais recentemente foi chief markets strategist na Haitong em Londres.

 

Este artigo de opinião não reflecte necessariamente a opinião da Bloomberg LP e dos seus accionistas.

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