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Os trabalhadores, as famílias… e o novo IRS

Começamos finalmente a conhecer os contornos técnicos e políticos da reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), o que deverá merecer, por parte de todos os actores envolvidos, análise e reflexão ponderada.

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Esta é, no entanto, uma reforma estrutural, que deve suscitar a intervenção das universidades, associações de cidadãos e, em geral, as organizações directamente emanadas da sociedade civil.

 

Penso que será justo reconhecer a genuína preocupação do Governo na criação de uma nova linha fiscal de apoio e protecção das famílias numerosas. Portugal tem hoje, mesmo no contexto europeu, um grave défice demográfico, onde a fiscalidade tem de ter - sempre o defendi - um papel activo. Pode o quociente familiar ajudar nesse sentido?

 

Penso que se pode revelar, verdadeiramente, um contributo positivo. Por um lado, ao estabelecer-se a progressividade do próprio quociente (0,3 por cada filho ou mesmo ascendente, outro aspecto significativo) garante-se um standard mínimo (o possível) de justiça e de igualdade, nos termos do art. 13.º da Constituição da República. Por outro lado, a própria aplicação de um quociente familiar para a determinação da taxa de IRS que incidirá sobre os rendimentos do agregado familiar beneficiará claramente as famílias mais numerosas.

 

Alguns fiscalistas têm defendido a inoperatividade e até o eventual carácter "regressivo" da medida. Deve ser reconhecido, no entanto, que mais importante do que propriamente os efeitos imediatos da medida (no actual contexto sociológico) é o sinal de garantia fiscal conferido às famílias numerosas e que se constitui assim, como uma verdadeira medida de incentivo e protecção da natalidade. Associada a esta medida, também o alargamento do conceito de agregado familiar para os filhos com idade até 25 anos se revela perfeitamente enquadrada, sobretudo num contexto em que o país se apresenta ainda com preocupantes taxas de desemprego jovem. Uma medida, portanto, incontestavelmente justa.

 

A criação de um regime especial de apoio ao empreendedorismo individual revela-se, da mesma forma, um ponto importante. A redução de 50% de IRS no primeiro ano e 25% no segundo para aqueles que iniciem uma actividade por conta própria (onde se incluem também os desempregados) é uma medida inteligente num contexto económico que necessita desesperadamente de crescer com base no investimento privado e não no aumento da despesa pública.

 

Em muitos aspectos, no entanto, esta reforma do IRS ficou aquém do que se esperava da "maior reforma fiscal dos últimos tempos", impondo até, em alguns casos, medidas fortemente penalizadoras. É o caso, por exemplo, do regime das deduções à colecta com as despesas de saúde, que desencoraja o recurso ao sector privado e sanciona as famílias com rendimentos que recorrem àquele, num contexto em que o Estado necessita incontornavelmente de diminuir a despesa pública na área da saúde.

 

Por outro lado, continua-se sem compreender de forma cabal em que medida o crescimento económico surtirá efeitos na redução da sobretaxa de IRS, cuja redução seria, após estes três anos de austeridade, da mais elementar justiça. Neste ponto, afasto-me da posição de Vasco Valdez (ao considerar a ideia "aberrante"), mas também não me parece suficientemente fundada a expressão de "ideia fabulosa" proferida por Duarte Morais.

 

Na verdade - e apesar de ser um mecanismo de política fiscal inovador entre nós - esta é já uma fórmula testada, quer no âmbito fiscal quer parafiscal, em vários países do mundo. Pode até representar um incentivo ao tão almejado equilíbrio entre a receita e a despesa pública. Seria importante, no entanto, que os contribuintes tivessem ao seu alcance e acesso os dados e as fontes em que se materializará esse aludido crescimento económico.

 

Finalmente, continuou a faltar o reconhecimento do papel fundamental que os funcionários públicos tiveram no sacrifício fiscal dos últimos três anos e que justificaria, seguramente, que esta reforma salvaguardasse que a reposição de 20% do vencimento anunciada para Janeiro de 2015 não viesse a ser, afinal, fortemente atenuada pelo novo regime jurídico. Seria um simples e importante sinal para aqueles que estão, naturalmente, na linha da frente do tão anunciado combate à fraude e à evasão fiscal.

 

Fiscalista/Professor Universitário

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