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O sistema fiscal que estamos a construir

Tornou-se na grande questão neste período que antecedeu a apresentação do Orçamento de Estado para 2015 e o cerne do debate de política fiscal no seio da coligação partidária que compõe o XIX Governo Constitucional: aliviar ou não a carga fiscal que pesa sobre o ombro dos portugueses.

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Diversos e sustentáveis têm sido os argumentos em todos os sentidos, ora assentes na necessidade de um nível de correcção e ajustamento do défice público que ainda não se verificou, ora na necessidade de dar um sinal de alívio e esperança à sociedade civil, trabalhadores, pensionistas ou empresários.

 

Penso que a questão devia ser colocada, em termos absolutos, sob qualquer destas perspectivas. Não deixa de ser verdade que o esforço de ajustamento das contas públicas deve prosseguir, nem sequer que a economia real necessitava de um estímulo adequado, mesmo que reduzido ou quase simbólico. O ponto não é, no entanto, nesse espectro que reside.

 

Os portugueses fizeram um apertadíssimo sacrifício pessoal no percurso do ajustamento financeiro do país nos últimos três anos. Empresas e famílias foram levadas praticamente à exaustão de recursos em ordem à sobrevivência e estabilidade num mercado cada vez mais global e, portanto, agressivo. Seria da mais elementar justiça reconhecer esse esforço com um alívio sustentado na carga fiscal, nomeadamente com a redução entre 1% e 1,5% da sobretaxa de IRS.

 

Por outro lado, temos hoje estudos credíveis e sólidos que nos indicam que a redução da carga fiscal pode representar, a jusante, o crescimento e a expansão da economia real, sobretudo depois de um longo período de austeridade com o aumento dos índices de poupança das famílias.

 

O Governo optou por criar uma espécie de mecanismos de crédito fiscal, segundo o qual os contribuintes poderão, na liquidação de IRS de 2016, ver reembolsado o valor pago no âmbito da sobretaxa de IRS, variando este montante na dependência directa dos resultados do combate à fraude e à evasão fiscal. Por outro lado, o aumento significativo do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) permitirá ao Estado arrecadar um acréscimo de receita de cerca de 140 milhões de euros.

 

Deve ser sublinhada a atitude nobre de resistência ao populismo eleitoralista que, no passado, tanto descredibilizou a política portuguesa. Passos Coelho manteve-se, nesse aspecto, igual a si próprio. O mecanismo apontado é, no entanto, extremamente inconsistente enquanto instrumento de política fiscal, não apenas porque faz depender o alívio da carga fiscal sobre os cidadãos de resultados sobre os quais têm pouca ou nenhuma participação, mas também porque acrescenta uma série de imponderáveis incertezas quanto à clareza e à transparência desse resultado. Em bom rigor, os resultados do combate à evasão fiscal dependerá mais da capacidade legislativa do Governo do que dos trabalhadores e das empresas. E, ao mesmo tempo, a ideia de um sistema fiscal competitivo continua a focar-se única e exclusivamente nas empresas (que vêem o IRC descer), quando todos os estudos recentes apontam para a necessidade de um modelo fiscal sustentável e globalmente competitivo.

 

Ora, é neste ponto fulcral que residirá a sustentabilidade política da decisão que o Executivo venha a tomar. O alívio da carga fiscal, justamente com uma pequena redução da despesa pública, poderá significar exactamente o mesmo resultado do que manter ou mesmo aumentar os impostos sobre os portugueses. E, do ponto de vista estratégico, trata-se de uma medida muito mais inteligente e ambiciosa: reconhece o valor do trabalho (sobretudo depois de uma reforma do IRC completamente voltada para as empresas), estimula o consumo e poderá, efectivamente, ser muito interessante em termos de criação de emprego. Tudo da mais elementar justiça.

 

Fiscalista/ Professor Universitário

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