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Os falsos paradoxos

O Estado tem frequentemente de mostrar que tudo fez para evitar ser condenado, ainda que isso possa passar por se socorrer de meios de impugnação com reduzidas possibilidades de sucesso.

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Num extenso e bem fundamentado Acórdão de 15 de março deste ano, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu um acórdão (82/17.6BCLSB) no qual julgou improcedente uma ação de anulação de uma decisão arbitral, na qual o Estado havia sido condenado no pagamento de uma elevada indemnização.

 

Nessa decisão, chama-se a atenção para o paradoxo de o Estado português ser em matéria de "direito público e ou em litígios que envolvam dinheiros públicos, (…) num caso raro na Europa, afoitamente adepto da arbitragem jurídica intrafronteiras", que por princípio não admite recurso, enquanto as entidades públicas, no fim desses processos arbitrais, acabarem por voltar "aos tribunais estaduais, por vezes interpondo ações de anulação manifestamente infundadas".

 

A questão subjacente não é nova e reconduz-se a saber se o Estado, em matérias de interesse público, deve aceitar que os seus litígios com privados sejam resolvidos por um meio iminentemente privado, a arbitragem. Na opinião do relator daquele acórdão é óbvio que não, referindo que é "um dos sortilégios – óbvios – de o aqui autor ter aceitado um modo de resolução de litígios jurídicos que, licitamente, impede o reexame da decisão de 1.ª instância, ainda que numa questão que envolve muitos milhões de euros no âmbito do interesse público e do bem comum".

 

Sendo eu um defensor da arbitragem e trabalhando em arbitragem, não sou propriamente um juiz isento, mas em todo o caso parece-me que há alguns destes supostos paradoxos que são manifestamente equivocados.

 

Desde logo, parte-se do princípio que por se tratar de um processo em que o Estado está envolvido e que diz respeito a um projeto em território nacional, se trata de um litígio "intrafronteiras". Não é sempre assim, já que este tipo de concessões é normalmente acordado com um consórcio, que não raramente engloba empresas estrangeiras.

 

Em segundo lugar, parte-se do princípio que o Estado perde sempre, e perde tudo, quando a avaliar pelo que vai sendo publicado na imprensa, esse não é manifestamente o caso. O Estado é também absolvido, no todo ou em parte, dos pedidos contra si formulados.

 

Finalmente, esquece-se uma questão que resulta do facto de o Estado ser o guardião dos dinheiros públicos mas, mais incisivamente, do nível de escrutínio a que está sujeita qualquer decisão estadual – acertada ou não: é que, seja por pressões orçamentais, seja porque é criticado por ceder a interesses privados, o Estado normalmente não pode fazer acordos, mesmo nos casos em que pudesse reconhecer razão aos reclamantes. E também por essa razão, o Estado tem frequentemente de mostrar que tudo fez para evitar ser condenado, ainda que isso possa passar por se socorrer de meios de impugnação com reduzidas possibilidades de sucesso.

 

Tal como nos tribunais do Estado, há decisões arbitrais melhores e piores, mas até que se demonstre, com base numa análise objetiva, que o Estado é (injustamente) prejudicado em arbitragens, não faz sentido embarcar em preconceitos sobre a arbitragem.

 

Sócio-coordenador de Arbitragem PLMJ

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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