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O novo activismo judiciário e a refundação

Quando no Reino Unido ou na Alemanha se pensa em reformar o Estado, o primeiro passo é uma comissão preparatória constituída por sábios (em geral, pessoas que sabem do tema e não os habituais apaniguados do poder como em Portugal) que analisa as diferentes possibilidades.

Nota: Este artigo está acessível antes da meia-noite para assinantes do Negócios Primeiro. Ao início da tarde seguinte, é aberto a todos os leitores.

 

(1) No meio da confusão geral em que vivemos na Europa do Sul, enquanto desmantelamos o Estado Social ao som da demagogia de que há alternativas (mas cada vez que as "alternativas" são forçadas a revelar alguma política concreta normalmente sai asneira ou simplesmente a ideia peregrina de que a Alemanha vai pagar tudo em nome de uma coesão qualquer), tem passado despercebido uma certa tendência para um curioso activismo judiciário populista.

A condenação penal dos cientistas italianos, em Outubro, por não terem prevenido os trágicos efeitos do sismo de L’Aquila é bastante inovadora. E a recente decisão do judiciário espanhol de "inventar" uns princípios jurídicos que impedem os despejos de quem não pode pagar a sua hipoteca, em clara contradição com a letra da lei, é um exemplo esclarecedor. Como sempre o poder político reage ao activismo judiciário com desonestidade intelectual. Gostam quando a decisão favorece os seus interesses; falam de violação da separação de poderes e ataque ao Estado de direito quando a decisão não é favorável.

Ora o que não podemos ter é um activismo judiciário ao estilo anglo-saxónico com um poder judicial ao estilo latino. Populista ou não, o judiciário não pode reclamar um papel importante na aplicação das políticas públicas decididas por um legislador democrático ao ponto de manifestamente alterar a lei e, ao mesmo tempo, continuar a insistir que não tem de prestar contas. Se vamos no caminho do activismo judiciário, temos de mudar radicalmente a organização do poder judicial para adequá-lo a uma nova realidade. Mais concretamente, se o poder judicial reclama um activismo atípico do nosso modelo tradicional, então terá de aceitar acabar com o famoso modelo do autogoverno que evidentemente nunca existiu fora do Sul da Europa (e com os bons resultados que sabemos).

(2) Quando no Reino Unido ou na Alemanha se pensa em reformar o Estado, o primeiro passo é uma comissão preparatória constituída por sábios (em geral, pessoas que sabem do tema e não os habituais apaniguados do poder como em Portugal) que analisa as diferentes possibilidades. Publica-se então um Livro Verde que inspira uma longa discussão quer nos fóruns técnicos, quer na comunicação social sobre as possíveis opções. O poder político decide então o caminho que entende e pelo qual se responsabilizará eleitoralmente. Chega então o Livro Branco com uma análise completa quer dos efeitos da opção escolhida, quer da implementação. E faz-se uma reforma.

Em Portugal, começa com palavras absolutamente bacocas como "refundação." Seguem-se uns artigos nos jornais de gente que, em geral, jamais na sua vida estudou o tema e algumas tertúlias de tudólogos de serviço nas televisões. Depois faz-se uma conferência para encher telejornais. Nasce assim a reforma do Estado. Seguem-se depois umas cinquenta versões diferentes em resposta a pressões pontuais, falta de dinheiro e calendários eleitorais. O processo normalmente culmina num desastre qualquer. Depois queixam-se que são os comunistas e os jornalistas que não deixam a direita governar.

Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com

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