Opinião
O "Brexit" e a aproximação da libra ao euro
No verão de 1968 viajei até à Inglaterra onde a minha irmã mais velha passara a residir. Tal como agora, muitos portugueses procuravam melhores condições fora do país, embora França e a Alemanha fossem então os destinos mais frequentes.
Após uma viagem de 36 horas de comboio, entre Castelo Branco e Calais, a travessia do Canal da Mancha, entre as 3 e as 7 da manhã, foi feita debaixo de tempestade e o meu primeiro contacto com o mar não deixou boas recordações. À chegada, o controlo de passaportes durou uma eternidade. A nossa bagagem era intrigante: várias malas, um garrafão de vinho e uma bilha de barro para termos água fresca na viagem. O meu pai achou suspeita a atenção do guarda ao garrafão. Concluída a declaração dos "valores" transportados, foi preciso explicar onde íamos ficar e como o meu pai possuía um inglês rudimentar, talvez inferior ao seu conhecimento de latim, suscitou o primeiro sorriso do agente quando referiu que íamos residir em casa da sua "girl". A companhia da mulher e do filho pequeno ilibava-o das imprecisões de linguagem, dado que a palavra inglesa para filha era complicada.
Cinco anos depois, o Reino Unido aderiu ao Mercado Comum. Nunca foi membro pleno do Espaço Schengen, mas tornou-se mais acessível e, recentemente, um dos destinos favoritos dos jovens emigrantes portugueses. A integração económica tornou-se muito forte, com a União Europeia a absorver mais de 45% das exportações britânicas.
É pois com preocupação que muitos encaram a ameaça real de um voto pela saída do Reino Unido da UE que, por sua vez, pode precipitar a saída da Escócia do Reino Unido. O perigo da fragmentação da UE é real, com pesadas consequências económicas e sociais. As barreiras ao comércio e à circulação de pessoas geram pobreza e agravam os ciclos económicos. A diferente especialização económica dos vários Estados-membros sugere que os benefícios da maior integração são bem mais elevados do que os custos associados. A simples comparação entre os dois países de língua inglesa - Reino Unido e Irlanda - ilustra os benefícios de uma maior adesão, incluindo a adoção do euro, face a uma ligação hesitante e defensiva. A Irlanda, tradicionalmente pobre e geradora de emigrantes para a América, passou a tigre celta e um dos países mais ricos da UE.
Além de detalhes como o nível de abonos para filhos residentes no estrangeiro, o primeiro-ministro britânico negociou o direito de o Reino Unido ficar isento do objetivo de contribuir para uma "união cada vez mais unida", passe o pleonasmo, que levasse à criação dos Estados Unidos da Europa. O projeto federalista sofre aqui um sério revés. Não é uma posição muito original no Reino Unido. De Harold Wilson, trabalhista, a Margaret Thatcher, a conservadora "dama de ferro", sempre foi comum falar na renegociação dos tratados com o mercado comum no sentido de maior autonomia. O próprio modelo de referendo, contraditório com a tradição parlamentar inglesa, foi introduzido pela primeira vez no Reino Unido, em 1975 para decidir da manutenção no mercado comum, mas com uma votação favorável, dessa vez, de dois terços dos votos. No entanto, a arquitetura da União Europeia tem fragilidades evidentes face à crise das dívidas "soberanas" e carece de um redesenho que salvaguarde níveis de autonomia dos Estados sem pôr em causa os níveis de integração e harmonização relevantes como a união bancária. O peso de setor financeiro do Reino Unido justificaria o seu maior envolvimento no novo modelo da União, não o seu afastamento.
A incerteza relativa ao próximo referendo de junho de 2016 já conduziu a uma queda significativa da cotação da libra. De mais de dois dólares por libra em 2008, a libra está agora próxima de 1,4 dólares, enquanto um euro vale cerca de 1,1 dólares. Deste modo, enquanto o Reino Unido afirma a sua independência e a preservação da libra, a convergência das duas moedas, em valor, não para de se acentuar.
Claro que o valor nominal de uma taxa de câmbio não tem significado, mas a sua evolução revela uma enorme perda de valor internacional de ativos denominados em libras. Essa tendência também deixa os investidores preocupados, reduzindo as aplicações em libras e agravando a sua tendência depressiva. No entanto, se o referendo de junho voltar a confirmar a permanência do Reino Unido na União Europeia, a libra deverá recuperar do baixo nível atual, tornando os seus detentores mais ricos. Não seriam os únicos beneficiados - toda a União Europeia ganharia.
Diretor da ISCTE Business School
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico