Opinião
O pecado original
É consensual que a Segurança Social é um pilar fundamental do Estado Social. Não obstante, nos moldes em que o atual sistema foi criado, verificamos a existência de uma falha dramática, de um pecado original.
Porque a primeira geração com direito à Segurança Social não se viu na obrigação de descontar durante a sua carreira tributária, usufruindo de igual modo dos benefícios do sistema, gerou-se uma dívida intergeracional.
Um dos maiores mitos em Portugal é o de que como as pessoas descontaram ao longo da vida para uma espécie de conta "imaginária" têm, a partir de determinada idade, garantida a sua reforma. Isto, por si só, já é enganador, pois, em média, as pessoas recebem mais do que descontaram. Todavia, o ponto crucial é que são os trabalhadores no ativo que efetivamente pagam as pensões dos inativos. Por outras palavras, quando eu começar a trabalhar, e até me reformar, vou ter de descontar para pagar a pensão de terceiros. Aos 22 anos e prestes a entrar no mercado de trabalho, deparo-me com a triste questão: quando o dinheiro acabar, quem descontará para pagar a minha reforma?
Para que o sistema de pensões seja sustentável, pelo menos duas condições têm de se verificar. Primeiro, tem de existir crescimento económico relativamente robusto. Segundo, o crescimento da população, tem de assentar em taxas de natalidade mais elevadas, e não no aumento da esperança de vida. Contudo, este não é o caso em Portugal. Com efeito, estima-se que, em 2060, teremos mais pensionistas do que trabalhadores no ativo. Logo, o fosso entre as contribuições colecionadas e as pensões pagas será cada vez maior. Este deficit irá totalizar cerca de 5,4% do PIB em 2030, valor que terá de ser financiado através de impostos ou dívida pública.
Existem várias alternativas ao sistema em vigor. Uma das mais populares é o regime em que cada trabalhador desconta um certo montante mensal para uma conta que só poderá ser acedida depois de o contribuinte se reformar. Essencialmente, o sistema deixaria de ser "pay-as-you-go" e passaria a ser um sistema de "notional defined contributions", sendo estas contribuições baseadas nos salários dos utentes. Este método, implementado com sucesso na Suécia, tem a vantagem de evitar que os trabalhadores no ativo sustentem os pensionistas. Resta apenas uma dúvida: que geração paga a dívida?
Os agentes políticos evitam discutir a reforma estrutural do sistema pensionista pois sabem que, muito provavelmente, os contribuintes irão ser taxados. Temem, naturalmente, os elevados custos eleitorais. Para cessar o atual programa de pensões e saldar as contas, de modo a começar do zero, os trabalhadores que descontaram durante a sua carreira contributiva teriam de ser compensados, pois foram-lhes feitas promessas de rendimentos futuros. O cumprimento deste "contrato" implicaria uma alocação de recursos bastante significativa por parte do Estado, que teria de ser financiada por impostos.
Mais grave ainda do que a inércia das elites políticas é a passividade da minha geração perante a situação. Urge fazer um debate público sobre esta questão porque, a cada dia que passa, a solução torna-se mais dispendiosa. Não será preferível adotar um sistema que proporciona as mesmas garantias, mas de forma sustentável? Gostaria de pensar que sim.
Membro do Nova Investment Club
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