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"Para mais de 50% das famílias, cujos baixos rendimentos as isentam de IRS, o quociente familiar não tem qualquer significado. Mas a Fiscalidade Verde não deixa ninguém de fora.

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A designação 'Fiscalidade Verde' alberga uma série de alterações fiscais, sustentada em 80% por duas novas taxas: uma taxa de carbono e uma taxa de oito cêntimos sobre os sacos de plástico. (...) Paga quem vai ao supermercado, quem tem carro próprio, quem usa transportes públicos.

 

A redução de 150 milhões de euros em IRS, uma pequena redução (1,2 da colecta de IRS) que beneficia sobretudo as famílias com rendimentos mais altos, é compensada por novas taxas que mesmo as famílias com rendimentos mais baixos são chamadas a pagar". Fim de citação.

 

Neste contexto, à luz das medidas incorporadas no Orçamento do Estado para 2016 importa pois perguntar:

 

- O argumento segundo o qual o "quociente familiar não tem qualquer significado" para as famílias com menores rendimentos não se aplicará "mutatis mutandis" à redução da sobretaxa do IRS aprovada no OE para 2016?

 

- "Quem vai ao supermercado, quem tem carro próprio, quem usa transportes públicos" não está a sofrer o enorme aumento verificado nos combustíveis?

 

- "As famílias com rendimentos mais baixos (não) são chamadas a pagar" o aumento de impostos indirectos previsto neste OE?

 

- Perante tais críticas à Fiscalidade Verde, porque foi esta uma das poucas áreas objecto de reforma no anterior Governo que não sofreu reversão pelo actual Executivo?

 

Abster-me-ei de responder às três primeiras questões - por serem por demais evidentes -, mas deixo algumas pistas sobre a última:

 

A Fiscalidade Verde integrou, de facto, uma taxa de carbono e uma contribuição sobre os sacos plásticos leves a par de um amplo leque de medidas transversais nos sectores da energia, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade.

 

Ainda assim, poderia o actual Governo - se assim quisesse - revogar (ou tão-só alterar) a contribuição sobre os sacos plásticos e a taxa de carbono.

 

Porque não o fez?

 

Provavelmente porque a contribuição sobre os sacos plásticos foi um sucesso sem paralelo, com inquestionáveis vantagens, focada apenas na indução de comportamentos amigos do ambiente e não na obtenção de receitas fiscais, a exemplo do que deve nortear a política fiscal nos nossos dias.

 

E também, provavelmente, porque seria difícil justificar a reversão de um aumento de 1,5 cêntimos por litro de combustível que resultou da Reforma da Fiscalidade Verde em 2015, quando a alteração no ISP em 2016, estabelecida por portaria, resultou num aumento de mais de 7 cêntimos de imposto!

 

Ora não só não reverteu como já anunciou, pela voz do ministro do Ambiente, que está a preparar novas taxas no âmbito da Fiscalidade Verde para o Orçamento do Estado de 2017...

Arrisca o caro leitor, ainda assim, adivinhar o autor daquelas palavras?

 

Não será tarefa fácil se apenas nos detivermos no contexto dos dias que correm mas, caso recuemos alguns meses, conseguimos, pelo menos, enquadrar na narrativa utilizada à altura: a redução da carga fiscal em sede de IRS só aproveitaria "as famílias com rendimentos mais altos" uma vez que apenas metade dos portugueses paga IRS, enquanto o aumento da tributação indirecta a todos afectaria uma vez que todos "são chamados a pagar" este tipo de impostos.

 

Pois surpreenda-se: aquelas palavras podem ler-se na página 69 do livro "Mitos urbanos - um mapa para ler a crise", da autoria da líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, com edição da Parsifal, de - e o pormenor da data da publicação não é despiciendo - Setembro de 2015.

 

Advogado, membro da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde

 

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